Crítica | City Pop


★★★★☆
4/5

A partir de uma fusão apocalíptica de solidão, conforto, tristeza, escuridão, romance e indiferença, Burial marcou gerações em seu grande clássico Untrue. Ao demolir breakbeats, tornar baixos sub o foco da mixagem e afundar vocais de R&B em oceanos de petróleo, o produtor — salvo o mérito de Mark Fisher e o hauntology — tornou possível a expressão de dezenas de emoções que muito raramente eram expressadas por meio da música eletrônica. Porém, até hoje, 17 anos após o lançamento do disco, parece ser praticamente impossível atingir o nível de sensibilidade e sentimento alcançados pelo pioneiro do dubstep.

Muitas tradições e artistas surgiram com a vontade de emocionar o mundo da mesma forma que Burial fez. Dentre muitas — basicamente todas as derivações do UK garage e as formas mais recentes de deep house —, uma das que mais chama a atenção é o atmospheric drum and bass. A manipulação dos samples de R&B, pads enevoados e breakbeats livremente cortados são características que fazem o gênero chegar muito perto da humanidade; talvez a coisa mais desejada na música eletrônica.

Após um tempo, entretanto, parece que o gênero foi tomado por uma nostalgia cega, o que fez a maioria do material vindo dele se afastar de emoções mais intimistas e focar em sensações mais gerais. Em um momento em que a estética importa mais que a emoção, era esperado que alguém, com vontade de evocar o que há de mais singelo no ato de viver, retomasse as origens sensíveis do atmosdnb. É nesse cenário que Coco Bryce, produtor de drum and bass dos Países Baixos, e seu mais recente álbum de estúdio, City Pop, entram.

O álbum conta com nove faixas exemplares, explorando dimensões da ternura, melancolia e leveza da alma humana diferentes em cada uma delas. O uso de técnicas do idm e do dubstep, aliada à influência da música jungle — que, normalmente, é o prato principal do produtor —, aprofunda, e muito, o que normalmente seria mais um LP de atmosdnb. A reorganização das baterias, muito mais cuidadosamente tratadas que o normal, faz com que cada corte impacte a alma de forma carregada, quase violentamente intrusiva.

Os elementos melódicos, escolhidos a dedo por Bryce, abrem cânions infinitamente profundos no imaginário do ouvinte, como se pudessem dizer tudo e, simultaneamente, nada. Na verdade, o disco inteiro é assim: uma imensidão de solidão e uma infinitude de completude. Quando você menos espera, um laço único irrompível se estabelece entre você e cada uma das faixas, cada uma ilimitada à sua maneira.

Aquilo que Bryce tanto buscou, ele com certeza atingiu: a emoção de City Pop é inigualável. É impossível não sentir coisas inexplicáveis quando “I M 4 U”, concorrente à melhor uso de sample do ano, toca. É impossível não encontrar uma espiritualidade inexplicável dentro de si quando a bateria de jungle de “Slow Motion” e“You’re Mine” invadem seus ouvidos. É impossível não sentir solidão, melancolia e, simultaneamente, paz e satisfação durante City Pop. Convido-te a deixar que, por 34 minutos, seu corpo seja tomado pelas incalculáveis realidades de sentimento de Coco Bryce; você não vai se arrepender.

Selo: MYOR
Formato: LP
Gênero: Eletrônica / Atmospheric Drum and Bass
Sophi

Estudante, 18 anos. Encontrou no Aquele Tuim uma casa para publicar suas resenhas, especiais e críticas sobre as mais variadas formas de música. Faz parte das curadorias de Experimental, Eletrônica, Rap e Hip Hop.

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