Crítica | GNX


★★☆☆☆
2/5

GNX, sexto álbum de estúdio do aclamado rapper Kendrick Lamar, foi lançado hoje ao meio-dia como uma surpresa. Admito, é uma forma esperta de economizar com o rollout e de evitar expectativas — afinal, qualquer coisa que Kendrick faça logo receberá uma atenção de estádios —, mas sinto que estes não foram os motivos que estavam na mente do rapper quando ele optou por esse tipo de lançamento. Se fosse para fazer uma aposta, creio que GNX foi assim publicado pois o senhor Lamar não quer que nos importemos o suficiente com ele.

Durante sua duração, Kendrick trabalhou duro para que nada particularmente grandioso, conceitual ou sequer importante fosse descrito por seus ouvintes e pela crítica. É irritantemente óbvio: as músicas têm pouquíssimos elementos, não existe nenhuma narrativa sólida pelo álbum — marca registrada do artista —, as features são de zé ninguéns no hip hop — sem ofensas— e a produção é altamente regionalizada; é impossível não gritar: “esse beat é da West Coast!” ao menos algumas vezes. Kendrick está basicamente te pegando pelo colarinho: “por favor, entenda, eu sou só mais um rapper da Califórnia!”.

O que, em toda sinceridade, não tem problema algum. Deve ser sufocante, não, deve ser insuportavelmente angustiante ser o rapper mais aclamado da história, tanto pela crítica quanto pelo público. Pense comigo: o que ocorreria se, depois de viver na grandiosidade por mais de uma década, alguém só quisesse ser um artista humilde, que ocasionalmente lança faixas “por aí”? A resposta é óbvia: essa pessoa teria que, forçosamente, amenizar as expectativas que as pessoas têm sobre ela. Após DAMN. e Mr. Morale, contudo, algo evidentemente ocorreria caso Kendrick seguisse esse caminho: ele não conseguiria não se levar a sério. E isso, sem sombra de dúvidas, ocorreu.

GNX é um álbum que tenta ser mixtape, e, portanto, um disco que seriamente tenta não se levar a sério. Um paradoxo? Impossível… em uma obra do nosso Deus, Kendrick Lamar? Absurdo… Diga-me, por que alguém chamaria o maior produtor da década — um que nem faz hip hop — num álbum que não é “nada demais”? Uma grande hipocrisia, mas o maior rapper do mundo não é o único hipócrita: a maior cantora do mundo sempre chama o Jack Antonoff quando se faz de coitada. Será que o produtor só aceita trabalhar para gente assim? Quem sabe.

Independentemente, algo que podemos ter certeza é o quão contraditório GNX demonstra ser ao longo de suas doze faixas. Kendrick não consegue escapar de seu pedestal. Ele tenta ser bobo, divertido (“tv off”) e até volta a “cair” em velhos hábitos: a agressividade “gangster” (“squabble up”), a introspecção “involuntária” (“wacced out murals”). Porém, não se engane: o cérebro de Kendrick pegou fogo durante a gravação e escrita de seus versos. É um produto final estranho; nunca vi nada que odeie tanto a perfeição, mas não saiba como escapar dela.

Quiçá, tudo isso tenha a ver com um certo conservadorismo por parte do senhor Lamar, bastante óbvio em GNX, o álbum que mais se apoia em tupaquismos que nosso prezado rapper já fez. O falseamento do sentimento de uma mixtape dos anos 2000, a necessidade de ter algo relevante a dizer por baixo de uma roupagem durona e descuidada, o pouco caso em realmente escolher beats interessantes, é tudo indiscutivelmente Tupac. Isso só prova que, por mais que Kendrick tente, ele não consegue escapar de si mesmo nem da sua versão ideal da Califórnia.

A incorporação de estilos próprios da região — a ratchet music de Mustard e o esqueleto da nervous music de Drakeo the Ruler — sofre muito com a idealização de Kendrick, que parece não entender por que tais estilos existem. É, na verdade, uma imposição das conceituações do rapper sobre os gêneros, e não uma incorporação deles. Não há um esforço para entender o valor cultural e se adaptar, apenas um uso superficial para forçar uma imagem de regionalidade.

No fim, GNX inteiro me parece ser uma inabilidade em se adaptar. Nada nele dá certo. Por mais que Kendrick tenha tentado se desvincular da imagem de rapper sério, ele não consegue deliberadamente acionar a diversão na própria cabeça. O álbum, condicionado por uma produção desinteressante, fraca e sem alma — além de terrivelmente mixada por quem presumo ser Jack Antonoff — também não se sustenta em momentos meditativos, carregados por performances tediosas, de flows previsíveis e temáticas repetitivas.

Se tem uma forma definitiva de definir GNX, essa deve ser “um piloto automático comandado por um humano”, não, não, deve ser “um homem que constrói uma gaiola com uma mão e a dobra com a outra”. Hmm… não sei se gostei. Uma última metáfora, prometo: Kendrick está caminhando em círculos.

Selo: pgLang
Formato: LP
Gênero: Hip Hop

Sophi

Estudante, 18 anos. Encontrou no Aquele Tuim uma casa para publicar suas resenhas, especiais e críticas sobre as mais variadas formas de música. Faz parte das curadorias de Experimental, Eletrônica, Rap e Hip Hop.

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