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O trap é um dos gêneros mais reproduzidos de todos os tempos. Sendo, com grande folga, o maior gênero do hip hop, ele se replicou ao ponto de cada estado e capital estadunidense ter uma cena ou estilo próprio bem definidos — além de, claro, ter se espalhado pelo mundo todo. Com isso, se destacar como “trapper” vem se tornando um desafio cada vez mais árduo, o que é uma grande causa da frequente e animadora reinvenção do gênero.
Uma outra consequência disso, porém, é o surgimento de artistas que se baseiam em um só traço de personalidade: os “one-trick ponies”. Alguns exemplos são os Island Boys, Lil Dicky e Rod Wave, além de outras aberrações da natureza que não devem ser nomeadas. A maioria repete uma mesma fórmula — normalmente absurda, justamente para disputar os holofotes — sem, em momento algum, perceber que isso vai contra o melhor do trap: a reformulação. Todavia, note que eu disse “a maioria”, logo, existem exceções.
Em março, com HELL CAN’T SAVE YOU, o rapper Baby Kia fincou uma afiada bandeira no olho do trap que continha o seguinte dizer: “Eu vim aqui com apenas um objetivo: gritar”. Pode parecer idioticamente simples — e é —, mas Baby Kia tem algo que torna sua música algo muito além de uma algazarra: segurança. A confiança suprema que o rapper tem no poder de sua voz, de sua escrita e de seu carisma faz com que sua intensidade seja entregue de forma carregada, original e arrebatadora.
É um bom exemplo de que a imposição de um limite — mesmo que “barato” — é uma possível geradora de valor artístico. Essa carência de medo de se limitar faz com que novas formas de explorar os atos de escrever e performar rap despontem; é do pouco que se produz o muito. É por isso que, mesmo em 13 músicas que são, teoricamente, “da mesma coisa”, nenhuma delas soa repetitiva, igual, sem sentido, fraca, boba ou o que for.
De forma resumida, HELL CAN’T SAVE YOU se constitui de 28 minutos de performances que extrapolam os limites do hip hop, letras extremamente gráficas — algumas até assustadoras — e muitos beats arrasadores de ouvidos; é tudo que eu poderia pedir de um artista de hardcore da atualidade. Caso não se interesse pelo disco, sugiro que pelo menos ouça “LET’S PLAY A GAME” ou “OD CRASHIN”; são faixas que já fazem parte do meu cânone de rap do ano.
Selo: Artist Partner Group
Formato: LP
Gênero: Hip Hop / Trap, Hardcore