Crítica | Ultimate Love Songs Collection


★★★★☆
4/5

No hip hop, existem vários símbolos-chave na construção da imagem de um rapper, que precisa sempre ser muito maior que apenas mais uma gota no oceano — afinal, todos precisamos nos destacar. Imponência na voz do rapper, beats potentes e, mais recentemente, um “som diferenciado” são alguns dos mais clássicos símbolos, sendo abusados por qualquer novato. Todo esse teatro ofusca, em grande parte, a beleza dos riscos e rabiscos que levam à manipulação de samples e o poder que isso traz.

Samples são o motor principal de várias das grandes manifestações musicais que apareceram dos anos 80 até a atualidade. Tratar um sample significa, diretamente, distorcer um pequeno pedaço da história, um pequeno momento do tempo; é a ferramenta perfeita para construir algo. No processo que começa na escolha do sample, com sua carga cultural, suas características espirituais e emocionais até a reestruturação de todas essas qualidades, algo fica muito claro: usar samples confere uma infinidade de possibilidades ao artista.

O trabalho de DORIS — artista plástico por trás das capas de mentes como Aminé, Noname e Steve Lacy — prova que ele não somente compreende a beleza do uso de samples como também usa disso para criar uma imagem muito diferente daquela de um rapper tradicional. Em Ultimate Love Songs Collection, o que importa não é passar uma aparência de força, não é desenvolver linhas de pensamento sobre temas sociais importantes, muito menos construir uma diversão sem cérebro presente em discos de trap. Não, o que importa é uma coisa e uma coisa somente: tirar uma foto.

Todas as 50 faixas do projeto são polaroids de um momento da vida de DORIS, durando entre 30 e 140 segundos. Esses momentos são todos organizados ao acaso, podendo uma canção de término ser seguida por um instrumental de chipmunk soul — um resgate do antigo Kanye West — ou uma balada de hypnagogic pop à moda Ariel Pink. Estes momentos, juntos, pintam a figura do multiartista — que, indubitavelmente, é extremamente habilidoso com samples — como… apenas mais uma pessoa normal.

Cada foto de filtro sépia, tingida de manchas velhas de café transparece uma humanidade encontrada apenas em confissões de amor. Ela se revela na fragilidade das baterias molhadas de “Baby reign”, no doce de melaço de cana de “reservations”, na fofura do breakbeat de “rock out”, na tristeza sutil do sample de “spirits and funny men” e por assim em diante. Cada uma contém, simultaneamente, lapsos de genialidade e uma vontade quase nula de desenvolver ideias; é uma coletânea de disposições de emoções cruas e fragmentos da história de um ninguém de Nova Jersey.

Ultimate Love Collections é quase um anti-rap. Ao invés de um trap destruidor de neurônios ou um boom bap recheado de letras relevantes, o que recebemos, na realidade, são 50 curtas cartas de um único remetente e destinatário: o próprio artista. Não parecem músicas feitas para se escutar, se assemelham mais a registros quebradiços do que é a vida comum de um homem qualquer. Poucos projetos capturam a subjetividade mística daquilo que é totalmente mundano tão bem quanto este.

Selo: JANINE
Formato: Compilação
Gênero: Hip Hop / Experimental, Sampledelia

Sophi

Estudante, 18 anos. Encontrou no Aquele Tuim uma casa para publicar suas resenhas, especiais e críticas sobre as mais variadas formas de música. Faz parte das curadorias de Experimental, Eletrônica, Rap e Hip Hop.

Postagem Anterior Próxima Postagem