Crítica | YESYESPEAKERSYES


★★★★☆
4/5

Como um instrumento de sincronização, de separação do corpo da alma, de libertação, a música é um laço de amor cândido. Ela consegue unir pessoas que nunca se viram antes apenas por meio da expressão de sons que, conectados, significam algo profundo para ambos. Quando você cria conexões através da música, na intenção de tornar tudo à livre interpretação de ambas as partes, uma das experiências mais íntimas de sua vida pode surgir.

Em outra nota, quando ouvi falar da união entre um dos pioneiros do footwork e um duo de free jazz londrino, imediatamente percebi que poderia ser um desastre completo. Uma mescla próspera dos ritmos contraproducentes (mas bem definidos) do footwork com a busca pela liberdade irrestrita do free jazz parece ser não só improvável, como fisicamente impossível. Entretanto, YESYESPEAKERSYES, segunda colaboração ao vivo entre RP Boo e XT, vai muito além de apenas dar certo: é a finesse total de ambas as metades desse ringue musical.

Isso só é possível, contudo, pela completa ausência de imposições que ambos lados da moeda fazem sobre si e no outro. Semelhantemente a como Miles Davis fez em Kind of Blue, Boo e XT deixam claro que a música só pode ser una quando há uma completa separação entre as partes. A parte não faz o todo: ela é o todo.

O amor gerado pelos kicks e snares estonteantes de Kavain e aquele gerado pelos rabiscos jazzísticos do duo só existem para eles, individualmente. Porém, ao tocarem juntos, a sua separação não se torna, e sim é a conexão que eles têm. Os fios vermelhos se entrelaçam em emaranhados dinâmicos, que não significam nada além de amor, afeto puro. Pode soar extremamente dissonante, incompleto, estranho, mas é assim que é mesmo; se fosse diferente, seria cálculo, não amor. Seria maldade.

Obviamente, a técnica absurdamente desenvolvida de ambas metades é o que torna essa bagunça fazer sentido. Mas, como já foi dito, isso só se tornou realidade por conta da completa liberdade e ausência de intenção tomada. Técnica e acaso não são opostos, muito pelo contrário: são aliados. Na verdade, é até engraçado, técnica e acaso são justamente as bases mais importantes tanto na improvisação livre quanto no footwork. Foram feitos para ficarem juntos, e fico feliz que Kavain, a lenda, e XT repetiram esse lindo experimento sobre amor e conexão, técnica e acaso. Não acredito que, em algum momento, duvidei que isso daria certo.

Selo: Feedback Moves
Formato: Ao Vivo
Gênero: Experimental / Improvisação Livre, Footwork

Sophi

Estudante, 18 anos. Encontrou no Aquele Tuim uma casa para publicar suas resenhas, especiais e críticas sobre as mais variadas formas de música. Faz parte das curadorias de Experimental, Eletrônica, Rap e Hip Hop.

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