Crítica | RELA


★★★★★
5/5

Entre as vanguardas da música experimental brasileira, há Negro Leo. Uma figura imprescindível, que se posiciona entre frentes, lados, entre todos os pontos desse plano cartesiano. Suas peças, que conseguem ser estranhas, divertidas e, ao mesmo tempo, comunicar e interseccionar a espinha dorsal de diversas questões sociais e políticas, já fazem parte desse construto desenvolvido nos últimos dez anos.

Ele está sempre por aí (em 2024, ele participou de discos como Queda Livre, folhas e Colinho), porém não víamos um disco tão robusto desde o lançamento de CAC CAC CAC, em dezembro de 2020. E então, quase de supetão, RELA chega totalmente feroz. Com o trabalho mais diferenciado da sua extensa discografia, ele quer dissertar sobre o sexo.

Sexo virtual, sexo pixelizado, sexo marciano, sexo imagético. Ferramenta de prazer e catalisador orgástico. Negro Leo consegue discorrer sobre esse fenômeno social, que são as interações sexuais através das redes sociais, com uma sagacidade afiada. Ele belisca em nuances que escorrem por nossos corpos e dedos, do frisson libidinoso ao pós-coito digital.

O corpo em movimento é parte da absorção da mensagem. São composições que se levam ao limite da abstração, em que você se perde ao tentar delimitar as fronteiras entre o que representa os estímulos gerados pelas telas e o ato carnal. Para dar aporte às distorções já características do artista, ele vai nas suas raízes musicais — são as toadas de boi e a música oriunda do bumba meu boi maranhense que dão conta do recado.

RELA exige desprendimento e abertura em se surpreender. Já em “Date My Age”, ouvimos notificações de aplicativos de relacionamento se cruzando entre samples retirados de diversos vídeos espalhados pela internet, que tratam o sexo em diferentes prerrogativas. No entanto, “Te Amo” merece destaque por apontar, nas entrelinhas, a outra face do discurso: um pagodão baiano, gostoso, envolvente e embalado por think breakers, em que Negro Leo repete te amo entre pausas ofegantes.

Uma coisa que vc pode dizer pro chat gpt, alimenta um poeta trágico.

E é esse tom, transmutado em diversas faces, que guia toda a narrativa do disco, cheia de tesão e, ao mesmo tempo, tão irônica e provocativa. É o poder surreal de Negro Leo, que vai te enlouquecer e querer devorá-lo em todos os sentidos possíveis. Que delícia!

Selo: QTV
Formato: LP
Gênero: MPB, Pós-MPB e Música Brasileira / Experimental, Piseiro, Toada de Boi
Felipe

Graduando em Sistemas e Mídias Digitais, com enfoque em Audiovisual, e Estagiário de Imagem na Pinacoteca do Ceará. É editor adjunto do Aquele Tuim, integrando a curadoria de Música do Continente Africano.

Postagem Anterior Próxima Postagem