Os melhores discos de música experimental de 2024


Uma lista com Horacio Vaggione, Ekuka Morris Sirikiti, Caxtrinho, Dean Blunt, Pharmakon, DORIS, Kali Malone, Rafael Toral, Sarah Davachi e mais!

A experimentação é o que mais precisamos prezar em torno da crítica, nesse sentido a música experimental condensa os álbuns de artistas que ousaram romper com formas de criação já estabelecidas, sejam elas técnicas, harmônicas, melódicas, ou mesmo industriais e mercadológicas. O aquele Tuim, então, mostra aqui seu recorte dos melhores álbuns de música experimental. Esse é o espaço dos não-alinhados, desviantes, anti-comerciais, ou renegados à periferia industrial da música. Confira:



30.
Recordings 1990-1993
Цукор біла смерть [Cukor Bila Smert']


Nessa antologia de uma das mais importantes e influentes bandas de rock da cena underground ucraniana, somos levados a espaços desconfortáveis, assustadores e completamente brutais em essência. Difícil não ficar perdido nas repetições instrumentais e nos gestos de horror que cada acorde dissonante realiza ao longo das músicas. Álbum para ouvir de madrugada. — Tiago Araujo




29.
Durt Dronemaker After Dreamboats
Harry Gorski-Brown


Ao longo de 8 faixas, Harry Gorski-Brown, a gaita de foles e os scratches eletrônicos que parecem energizar uma música tradicional, com aspirações folclóricas da região que foi concebida, enfatizam o trabalho pessoal, confessional e amoroso cujas melodias se entrelaçam pela afinidade. São peças longas, que se repetem de forma a concretizar a paixão do autor pela sua própria proposta artística, que cria cenários incríveis e, por vezes, interessantes numa visão de música não muito identificável. — Matheus José




28.
What Is Not Strange?
Tashi Wada


Os longos minutos que passam por What Is Not Strange? estão longe de contemplar apenas uma natureza reflexiva. Isso porque, embora composto por Tashi Wada enquanto se recuperava da morte do pai e comemorava o nascimento da filha, o álbum tende a se posicionar como um parêntese entre esses dois acontecimentos. Há, de fato, uma certa soturnidade a escorrer pelas frestas de texturas e ritmos planos, densos e que contam muito bem com a colaboração de Julia Holter. — Matheus José




27.
Pesta Nada
Gamelan Pesel


Entender a música tradicional de lugares e cosmovisões tão distantes de nós como música experimental não é mera concessão honesta — trata-se de reconhecimento histórico, já que vários gêneros do experimentalismo ocidental se originam de suas ideias e elementos. Pesta Nada consegue nos lembrar disso de forma muito inconsciente e despretensiosa, mas o verdadeiro protagonista, de fato, é o gamelão. O instrumento define o tom e perfura todas as fronteiras possíveis. — Felipe




26.
BUTU
KOKOKO!


Capturar a agitação explosiva do próprio espaço é o que move os artistas advindos das periferias de Quinxassa. Butu significa noite em Lingala, e KOKOKO! escolhe essa palavra pra nomear um disco que é a propulsão maximalista e radical do grupo aplicada em entender os ambientes, os ruídos e as línguas que compõem a vida noturna da cidade francófona mais populosa do mundo. — Felipe




25.
Doubling Down
Ashcircle


Doubling Down dispensa formulações, é composto por fragmentos — bastante retóricos — de performances ao vivo enquanto é decomposto pela exterioridade temática de causar uma sensação atípica. Não é possível afirmar que isso não aconteça de fato, mas essa marginalização de buscar ser tão diferente talvez reafirme a graça do empacotamento eletroacústico em meio à ausência de padrão e à presença de uma pretensão motivadora tão significativa aqui. — Matheus José




24.
post-chance
Marc Baron & Mark Vernon


O conceito de post-chance levanta a seguinte pergunta: até que ponto a música que chega aos nossos ouvidos é a que chegou aos ouvidos do artista? O álbum em si tenta responder essa questão entre poços sem fundo e vislumbres de uma luz distorcida pela gravidade; o espaço e o tempo mudam a música por completo. Marc Baron e Mark Vernon montaram um dos estudos mais intrigantes sobre a linguagem musical, a fisicalidade da música e, principalmente, da relação entre ouvinte e objeto musical que já tive o prazer de experimentar. — Sophi




23.
Inter-Others
Reishu Fukushima + Satoshi Fukushima


Contrastar concepções de gerações diferentes de uma mesma família é uma excelente maneira de estudar a música como uma cultura geracional, e Inter-Others executa isso bravamente. Mais que como herança, os mais jovens devem tratar o passado como uma maneira de interpretar o presente, seja modificando-o ou deixando-o seguir normalmente. Satoshi entende isso com uma naturalidade impecável, criando e destruindo presentes por meio da alteração da música de seu pai Reishu e sua shakuhachi. — Sophi




22.
Temporary Stored II
Vários Artistas


Ao relançar Temporary Stored, KMRU expande seu escopo e significado. O exercício de recuperação e reapropriação de arquivos sonoros africanos das burocracias de museus ocidentais entrelaça novas relações, com outras materialidades dispostas em diferentes perspectivas. É uma extensão curatorial, que demonstra a rebeldia e o entusiasmo em desmanchar essas fronteiras coloniais e recuperar algo que nunca pertenceu ao Ocidente. — Felipe




21.
Tránsitos Sónicos: Música Electrónica y para cinta de compositores peruanos (1964-1984)
Vários Artistas


Creio que não há nada mais agradável ao explorar novos horizontes musicais, do que um álbum em que claramente tudo foi feito de forma espontânea, por meio de tentativas, testes. Isso cria um aconchego diferente, torna a experiência de ouvir algo maior do que mobilizar sentimentos em torno da música, ou criar meras opiniões sobre elas. É arqueologia, história, técnica e principalmente exploração, uma experiência realmente única, impossível de ser manipulada. — Tiago Araujo




20.
Chain of Light
Nusrat Fateh Ali Khan


Para além das músicas mais difíceis que geralmente o experimentalismo suscita, também há a presença de um álbum que é muito divertido — possivelmente o mais divertido de todo o ano. Extremamente cativante e dançante do começo ao fim, é o tipo de experiência gratificante, com um gênero de música que infelizmente poucos sabem da existência, mas que é garantido que você vai terminar de ouvir o álbum querendo mais. — Tiago Araujo




19.
The Head as Form'd in the Crier's Choir
Sarah Davachi


The Head As Form’d In The Crier’s Choir articula estilo com lógica em composições que vão além de qualquer orientação devocional de formas clássicas — embora o cerne do álbum seja justamente uma criação sustentável de um período contemporâneo dessas raízes interpretativas que, aqui, são dadas pela coluna de sustentação erguida a partir do mito de Orfeu. Sarah então busca organizar, em suas composições, marcas que remetem à sua robusta idealização conceitual. — Matheus José




18.
malandreo conceptual
Weed420


Weed420 e seu disco de estreia transfiguram o reggaeton em uma besta alienígena hiper-tecnológica faminta por cacofonia. Feito quase que unicamente por colagens de samples obscuros através do epic collage, a mixtape parece tomar vida própria enquanto anda pelos becos e vielas da Venezuela em busca de um novo caos para consumir. Sempre que acha uma vítima, uma de suas outras cabeças imediatamente encontra outra, caso contrário, comem as próprias cabeças; é um sistema de alimentação e retroalimentação assustadoramente belo. — Sophi




17.
3 lines and balloons
Li Song, 赵丛 [Zhao Cong] & 朱文博 [Zhu Wenbo]


O objeto formador de 3 lines and balloons é uma miscelânea de sons que se misturam e se confundem entre si. Resultado da gravação de duas apresentações do trio em shows no sul da China, uma em E^dge 一脊 (Wuhan) e outra em Nap Room 午厅 (Guangzhou), é um trabalho de improvisação e de artesania em todas as instâncias. — Felipe




16.
Spectral Evolution
Rafael Toral


Spectral Evolution é o trabalho mais orgânico de Rafael Toral. Suas longas melodias entram no drone e transbordam para o jazz como parte da teorização de novos espaços que o artista cria. São ondas sintéticas que evoluem à medida que o silêncio enfrenta um choque com alguns ambientes tecnológicos ocupados pela presença de vida. É uma das melhores criações que um inventor como ele poderia fazer. — Matheus José




15.
Jolifanto
ZA! & Perrate


Jolifanto é uma grande exaltação do dadaísmo, inflando as formas de composição do jazz e do rock com sua antilógica e irracionalismo. O flamenco nuevo é usado como fio-guia das experimentações da colaboração, passando por improvisações jazzísticas que usam guitarras e sintetizadores de forma estruturalmente esfarelada, totalmente comprometidas com a fuga do que é tido como bom. Extremamente detalhista, a estranheza de Jolifanto é, com certeza, seu ponto mais forte. — Sophi




14.
Machete Mágico
Champetos del Jújù


Machete Mágico mergulha em um ambiente propício de celebração irreverente: a festa; mas não no início, no ápice do fervo ou perto do fim. Na verdade, o ponto de partida é aquele momento específico em que o espaço-tempo se confunde e a realidade parece se desmanchar em delírio. A psicodelia transmuta de face à medida que as cinco faixas vão se adensando: champeta, sogó, cumbia e soukous ziguezagueiam entre saxofones, instrumentos de percussão e sintetizadores. É uma loucura que te arrasta pro epicentro, e você jamais irá recusar esse convite. — Felipe




13.
YESYESPEAKERSYES
Kavain Wayne Space & XT


A união de um dos pioneiros do footwork com um duo de free jazz londrino exige uma sensibilidade assustadora para mesclar os ritmos contraproducentes do primeiro com a busca pela liberdade irrestrita do segundo. YESYESPEAKERSYES é a finesse total de ambas as metades desse ringue musical, mas mais que isso: é um conto de amor impecável. Ambas individualidades fogem de seus corpos e se conectam por meio de um entrelaçamento de fios vermelhos denominados amores. Quem sabe eles vão nos explicar a teoria das cordas? — Sophi




12.
WEBO (Live)
Charles Gayle, Milford Graves & William Parker


WEBO (Live) fica entre o free jazz e a improvisação livre, “entre” porque seria muito pouco delimitá-lo a um dos dois, as características comuns de ambos estão presentes e mesmo assim o álbum é apenas expansão. É uma experiência quase caótica, ainda que meticulosa. O ouvinte disperso vai acreditar se tratar de progressões e diálogos aleatórios entre os instrumentos, mas é bobo, tem muita técnica e composição envolvida. Cada segundo é novo e demanda atenção. — Tiago Araujo




11.
Yirinda
Yirinda


Ouvir Yirinda é acompanhar a colisão de diversos universos particulares. Mais do que isso, é o desejo onisciente de retratar a música tradicional aborígene como início, meio e fim das implicações que permeiam a obra — é muito mais que avant-folk, ela transcende em forma e conteúdo. — Felipe




10.
All Life Long
Kali Malone


All Life Long é a sinalização do ponto de encontro de tudo o que já foi feito por Kali Malone até então. Isso pode ser percebido pelo fato de conter suas primeiras composições para órgão desde 2019; por ambientar suas execuções eletrônicas outrora vistas em Living Torch, de 2022. E, também, por instigar a reflexão sobre a presença de Malone nas igrejas, tornando viva a arte que dali se escorre para o mundo. — Matheus José




9.
Ultimate Love Songs Collection
DORIS


Ultimate Love Collections é quase um anti-rap. Ao invés de um trap destruidor de neurônios ou um boom bap recheado de letras relevantes, o que recebemos, na realidade, são 50 curtas cartas de um único remetente e destinatário: o próprio artista. Não parecem músicas feitas para se escutar, se assemelham mais a registros quebradiços do que é a vida comum de um homem qualquer de Nova Jersey. Poucos projetos capturam a subjetividade mística daquilo que é totalmente mundano tão bem quanto este. — Sophi




8.
Feldman Edition 14: Complete Music for Cello & Piano
Marilyn Nonken, Stephen Marotto


É o material de um compositor consolidado em uma série que retoma suas composições. É de se esperar, de alguma forma, que seja algo maravilhoso, e arrisco dizer, é talvez o melhor lançamento de toda a série para iniciar nas composições do Feldman. Os intérpretes estão absolutamente maravilhosos e é um prazer imenso conseguir escutar essas composições na sua melhor forma, e algumas delas, pela primeira vez de todas. — Tiago Araujo




7.
Maggot Mass
Pharmakon


O power electronics marcou 2024. Maggot Mass é um exemplo — não deve nada aos lançamentos clássicos do gênero e ao mesmo tempo renova-o tematicamente e tecnicamente no mundo atual. Impossível escutar esse álbum sem prestar atenção em cada textura de carne, nos barulhos de insetos, nas menções às larvas e nas letras perturbadoras. Assim que você dá atenção para esses elementos, quando entram na sua mente, não tem mais volta, você vai preferir ter nascido qualquer coisa menos humano. — Tiago Araujo




6.
Hackney Commercial Waste
Dean Blunt


Qualquer lançamento de Dean Blunt é imprevisível. Sabemos que ele é mestre em mascarar complexidades e em retrabalhar a alta gama de culturas negras ao redor do globo, mas às vezes ele só se tranca em seu mundo, sem se importar com nada. Hackney Commercial Waste foi assim produzido e “lançado”, como uma coletânea de obras retiradas diretamente dos neurônios de Blunt. A abstração e reorganização de samples, guitarra e percussões durante suas duas horas não é só genial como alienígena para qualquer músico. — Sophi




5.
Surge
Consumer Electronics


Uma das audições mais desafiadoras de 2024. Surge Consumer aproveita ruídos, chiados e independência de estruturas comuns para jogar várias toneladas de concreto armado em nossas costas na forma de música. É tão fantástico porque funciona e soa, para muitos, algo impensável de consumir, que representa a importância de desafiar os limites que criamos como ouvintes. — Matheus José




4.
Further Selections from The Electric Harpsichord
Catherine Christer Hennix


O álbum de drone mais incomum do ano. A compositora, recentemente falecida, é retomada por meio desse incrível lançamento que nos retira da zona de conforto e faz repensar toda a noção de musicalidade, espacialidade e progressão musical. É através dos mínimos detalhes que a composição funciona, e por isso é que a comparação com drone é útil. Um lançamento que desestabiliza a lógica do que podemos considerar como música e permanece ativamente dialogando com debates da composição contemporânea. — Tiago Araujo




3.
Queda Livre
Caxtrinho


Não há demagogia capaz de deter Caxtrinho. Cria da Baixada Fluminense, Queda Livre é o seu aporte prolífico para o relato escrachado do cotidiano, sem ferir o elo com as suas próprias subjetividades. Entre distorções, cuícas e batuques, o disco paira entre tensões: do samba com o rock psicodélico, das suas raízes no candomblé com o cinismo da branquitude, da violência com a esperança. É incomparável. — Felipe




2.
TE-KWARO ALANGO-EKUKA
Ekuka Morris Sirikiti


Concebido a partir de regravações de passagens do programa de rádio ugandês de Ekuka entre 1978 e 2003, TE-KWARO ALANGO-EKUKA é um exercício de manutenção da memória. Para acessar essa obra, é imprescindível entender o que a figura do griô representa para a cultura ao longo de gerações em diversas partes de África. E, dessa forma, acessamos, mesmo que remotamente, essa riqueza inestimável permeada através do lukeme e da palavra. — Felipe




1.
Schall / Rechant
Horacio Vaggione


O melhor trabalho de texturas do ano inteiro. É matemático, mas é também desconcertante, feito para causar um conflito de percepção. Agudíssimo, o tempo inteiro, quase psicodélico nesse sentido. Um eterno looping, ou talvez uma entrada cada vez mais funda na estrutura de uma música, se é que existe qualquer estrutura musical aqui. Abstração no nível máximo, dá pra remeter a muitas coisas: moedas? Glitches? E mesmo assim não tem resposta, nada fica necessariamente concreto. E isso tudo é completamente incapaz de descrever a mínima experiência de ouvir esse álbum. — Tiago Araujo
Aquele Tuim

experimente música.

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