★★★☆☆
3/5
3/5
Apesar de ter lançado apenas um LP – Preacher’s Daughter – em 2022, a estadunidense Hayden Anhedönia tem colecionado grande aclamação sob o nome artístico Ethel Cain. Em parte devido a um amontoado (não excessivamente grande, é verdade) de fãs muito leais a sua estética protestante, lenta e contrastante sobre a fé e o corpo. Hayden cresceu no meio do turbilhão evangélico do sul dos Estados Unidos – numa faixa cultural a qual chamam Bible Belt. Seus temas não são adotados: vêm de uma vivência muito fundida com a fé, a igreja, a sexualidade e a libido.
Aqui, no novo EP, de 90min, diga-se de passagem, os temas seguem uma linha culposa, de obsessão. Não à toa a quinta faixa tem o nome de “Onanist”: Ethel permeia, com sons circulares, seu próprio desejo como extensão de sua fé, sua falha e redenção perante um deus que a rejeita – pela obsessão por si e pelo objeto de desejo – e a perdoa em suas tentativas de autosacralização.
É nesses concretos sonoros, nesses ambientes instrumentais de culpa e absolvição, que Perverts brilha: desde o violoncelo que mantém, em “Pulldrone”, uma nota longuíssima que se sintetiza e fraqueja nas levezas do arco e na intensificação da artista, até a recitação da própria corruptela de “Simulação e Simulacro” de Baudrillard.
Já “Housofpsychoticwmn”, que em verdade é mais sobre neurose do que sobre psicose, a repetição do “eu te amo” e o drone instrumental quase numa roda – quem sabe, talvez, de oração – leva ao desejo aquém do divino, em direção ao terreno, beirando o profano.
Ethel, porém, falha ao cantar. Nada sobre a voz ou sobre sua composição, apesar das faixas cantadas serem um teco mais infantis que os ambientes que as cercam, diz sobre o talento na construção da paisagem sonora cruel e penitente que compõem as outras faixas. “Punish” soa besta em comparação, “Amber Waves” dá a impressão de que uma faixa final teria sido melhor aproveitada caso tivesse a modestidade lenta de um drone, quiçá a brutalidade de um power eletronics. A voz de Ethel é melodiosa, sua escrita tem um peso único, mas aqui deveriam ter sido recitadas, às vezes à exaustão, ao invés de flexionadas numa canção.
Ao todo, Hayden se masturba, como diz na faixa inicial, sobre sua culpa, digna de um desejo próprio sobre si. É coeso e é lindo, quem sabe seria ainda mais coeso se a reflexão fosse ainda mais exaurida, mais escavada nos ouvidos do público, como a penitência no corpo de Cain, o cilício protestante da intensidade, o profano do sexo. Talvez como Onã, morto pelo Senhor, talvez como o desejo que ele desperdiçava.
Em Gênesis 38:
“(...) Er, o primogênito de Judá, foi considerado perverso pelo Senhor; por isso, o Senhor o matou. [38:7]”, “(...) Onã sabia que a descendência não seria sua; assim, toda vez que se deitava com a mulher do seu irmão, derramava o sêmen no chão para não dar descendência ao seu irmão. O que ele fazia era perverso aos olhos do Senhor; por isso, também o matou. [38:9-10]”
Selo: Daughters of Cain
Formato: EP
Gênero: Experimental