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A década atual tem sido uma das mais interessantes para o hip hop, quem sabe a mais disruptiva até agora. Com a ascensão de gêneros como o plugg, o jerk, o rage, o digicore e mais — toda essa gororoba derivada daquela onda do SoundCloud de 2016 para cá —, o rap chegou em um momento que é impossível definir o gênero. O tom melódico de artistas como Young Thug, Lil Uzi Vert e Bladee fez com que até a base do que significa um rap — uma entrega vocal focada mais em ritmo que em melodia — fosse distorcida ao ponto de ser algo muito mais sobre identidade que sonoridade.
Uma das consequências desse caráter abstrato do hip hop é a morte do artista, mas não no sentido clássico de que “a arte fala por si mesma” — essa baboseira já foi superada há décadas —, e sim de que a identidade coletiva fica acima de quaisquer identidades individuais. Quem fez essa música totalmente insana, cheia de programações de bateria ultra complexas, com uma voz de arcanjo por cima e mil e uma fontes de reverb? Sei lá, é a pessoa por trás desse perfil do Spotify que ninguém sabe quem é e nem ligam, só ouvem.
Claro, isso não é novo na música — círculos de noise, punk — e muito menos no hip hop — mixtapes, memphis, círculos underground —, mas se intensificou com essa revolução do SoundCloud, playlists do Spotify e com o TikTok. Construir uma imagem de artista forte no meio desses estilos tem se provado ser um desafio digno de condecorações internacionais, um muito maior que na era das mixtapes de trap da década passada.
É por isso que, quando, eventualmente, um artista bota a cabeça acima da massa hiper-saturada (no sentido colorido mesmo) de nomes em caixa baixa, com vários caracteres especiais e sem espaços, todos se espantam. Não é a maior raridade do mundo (talvez eu seja um pouquinho exagerada), mas sempre leva a uma grande dúvida: por quê? O que se destaca nesse rapper que o torna mais louvável que os outros? Por que este, em específico, é digno de portar um nome?
No caso de xaviersobased, seu destaque se dá por não se definir em nenhum dos gêneros citados no começo do texto, pois ele constantemente troca entre cada um deles para formar suas músicas. Os beats podem até ser muito constantes — praticamente repetem os primeiros segundos e só —, mas o jeito que xavier performa é, curiosamente, sempre indefinível. Por vezes, parece com Bladee, em outros momentos com YABUJIN, certas músicas tem um quê de Chief Keef e já até senti um pouco de Key Glock e Pi’erre Bourne em certos momentos — além, claro, de pegar muito da estética da gororoba “trap underground”.
O artista é um camaleão naturalmente desbotado, transformando todos esses estilos claramente distintos em algo que é, estranhamente, tão xavier quanto não é. Cada música é tão parecida quanto a anterior, mas todas têm uma inconfundível falta de padrões e fórmulas; elas nunca provocarão a mesma reação. xavier é uma lenda urbana, uma figura tão banal quanto a ideia de separar mixtapes em músicas, mas mística o suficiente para chamar a atenção de milhares de pessoas e até da crítica especializada (Pitchfork).
Sua habilidade com os flows, a miríade de suposições que podem ser feitas a partir de uma leve flutuação em sua performance, essas são provas de que xaviersobased é muito mais que só mais um nessa estranhíssima cena. with 2 é, junto de Cold Visions, o melhor do trap que alguém “normal” encontrará em 2024 — a não ser que você seja do tipo que cace mixtapes; provavelmente tem algo melhor nesse submundo. O projeto não se importa com nada e ninguém, sempre trocando entre diferentes máscaras para transcrever, por inteiro, o espectro borbulhante de estilos de trap do momento. É uma definição incerta, altamente dinâmica e animadora do que significa fazer trap em 2024; seria difícil achar uma melhor.
Selo: Independente
Formato: Mixtape
Gênero: Hip Hop / Cloud Rap, Trap