Crítica | A Nata de Tudo - A Ovelha Negra


★★★☆☆
3/5

Mc Negão Original é o nome do momento. Só não o conhece quem não é de São Paulo ou está distante do contexto periférico que parece consumi-lo tanto quanto qualquer outro artista viral do Brasil. Aqui, não se ouve nada além dos seus "medleys de Igaratá". E isso é bom, porque há uma representação muito política na forma como o MC construiu sua carreira até então.

Todos sabem que o funk paulista mainstream foi tomado por discursos neoliberais que se aproximam muito do que parece ser uma teologia da prosperidade secular – Mc Daniel pode atestar isso. Mais do que um distanciamento desses discursos, é preciso consertar as raízes do funk por meio de obras que recuperem, de certa forma, a representação desse espaço. E A Nata de Tudo - A Ovelha Negra faz tudo isso.

Primeiro, quem lê esse título pode pensar que este é apenas mais um álbum de funk mainstream focado nessa fixação de alguns MCs a hipotéticas invejas e inimigos que querem vê-lo cair. Na verdade, é quase isso, mas um pouco mais esperançoso. Mc Negão Original é um ex-pastor evangélico que saiu da igreja para cantar funk. Ele é a figura exata que faz as pessoas se interessarem pelo que ele tem a dizer. E, mais do que isso, ele representa — num sentido além da “representatividade” — o que é o funk em meio a essa questão.

A Nata de Tudo - A Ovelha Negra foca na ostentação e na putaria (muito relacionada ao começo dos anos 2010) sem se prender a dilemas éticos ou religiosos; também evita tentar justificar o acúmulo de patrimônio com papo de coach, e quando se fala em religião, é feito de um ponto de vista consciente.

É a oposição completa ao que vem sendo espalhado por grandes nomes da cena. Poderia ser, sim, um retorno às origens do funk como movimento, ainda que em uma escala midiática maior. O lance é que Mc Negão Original gera identificação facilmente. Ao mesmo tempo em que canta sobre temas que fazem do funk um produto que contrasta com outros gêneros, ainda há respeito tanto do público (aliás, mais religioso) quanto de outros MCs e DJs que o veem como um totem do que o funk sempre foi – ou deveria ser.

“Nós é contra o sistema, saudades do truta preso”, canta em “A Nata”, música que resume sua coragem de assumir uma posição frontal em relação ao funk, principalmente em um momento em que ganham força as tentativas de criminalização da música periférica por parte de grupos de extrema direita e o silêncio de produtores que se aliaram a esses mesmos grupos durante o período eleitoral. Nesse sentido, o sucesso de A Nata de Tudo - A Ovelha Negra é quase urgente. E, felizmente, não é preciso muito para entendê-lo.

Selo: Cria Hit BR
Formato: LP
Gênero: Funk

Matheus José

Graduando em Letras, 24 anos. É editor sênior do Aquele Tuim, em que integra as curadorias de Funk, Jazz, Música Independente, Eletrônica e Experimental.

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