PL 26/2025 é uma tentativa de incriminar as mãos que seguram os microfones, enquanto as que empunham as armas são responsáveis por nove mortes em Paraisópolis.
Defender o rapper Oruam é uma tarefa ingrata. Ele tem talento mediano? Sim! Presença de palco que lembra muito um mosquito da dengue? Também! Fez uma galera cogitar fazer uma ligação para o Ibama quando adotou um híbrido de gato doméstico com felino selvagem que quase arrancou seu olho? Até eu! Mas nenhum aborrecimento em relação ao artista justifica a defesa de um projeto patético para a criminalização da música periférica na cidade de São Paulo.
O PL 26/2025 foi apresentado em 21 de janeiro pela vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil). Nele, a autora solicita a proibição de contratos do município para shows de “artistas que promovam qualquer expressão de apologia ao crime ou ao uso de drogas”. O texto prevê que haja uma cláusula referente ao tema nos contratos de shows da prefeitura, com previsão de rescisão, sanções contratuais e multa no valor de 100% do valor do contrato em caso de descumprimento.
De forma premeditada, o projeto ganhou a alcunha de “Lei Anti-Oruam” em meio a uma onda de controvérsias envolvendo o rapper desde sua apresentação no Lollapalooza 2024. Durante o show, o artista vestiu uma camiseta pedindo liberdade a seu pai, Marcinho VP, considerado um dos líderes da facção Comando Vermelho e preso desde 2000.
Ainda que não seja a figura mais amada do cenário musical, sua popularidade é massiva. O cantor tem mais de 13 milhões de ouvintes mensais no Spotify e é dono de um dos maiores hits deste começo de ano, “Oh Garota Eu Quero Você Só Pra Mim”. É o bode expiatório perfeito para um projeto anêmico que tenta fazer barulho.
A perseguição com a arte negra e periférica não é novidade para nenhum brasileiro. Vimos pessoas serem detidas por andarem com um pandeiro na mão quando samba era sinônimo de vagabundagem no início do século passado. Vimos raivosas Comissões Parlamentares de Inquérito estruturadas com o objetivo de associar o funk em ascendência nos anos 90 e 2000 ao tráfico e à violência. Vimos até recentemente os funkeiros MC Maneirinho e MC Cabelinho serem investigados por uma suposta apologia ao crime na música “Migué”. O resultado? “Muita pica nessas tchuca, bala nos alemão” e um caso arquivado.
A “Lei Anti-Oruam” não explicita o que seria considerado apologia ao crime. Em entrevista à Ponte, a pesquisadora da Unifesp Desiree Azevedo explica que a infração não é tão facilmente identificável, sendo necessária uma análise caso a caso no meio jurídico. O documento também faz menção à apologia ao uso de drogas, o que soa como uma birra depois da decisão do STF que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal. Se o problema é o abuso de substâncias, um sertanejo que canta sobre encher a cara numa quarta-feira até não conseguir andar também se enquadraria no escopo da lei?
O PL usa crianças e adolescentes como escudos humanos para justificar tentativas vazias de regressos conservadores. O texto estabelece que o município de São Paulo deve proteger menores de idade de ficarem “vulneráveis à criminalidade”.
Eu concordo. E pergunto: O que deixa um jovem em estado de vulnerabilidade? Um MC que canta sobre vivências tão familiares para nós que crescemos nas periferias ou essas mesmas vivências? O que é mais eficaz para retirá-lo desse estado? A promulgação de uma lei que impede que a realidade desses espaços seja evidenciada através da arte ou a elaboração inteligente de políticas públicas socioculturais voltadas para as comunidades?
A essa altura, as tentativas de barrar a arte periférica estão cada vez mais preguiçosas. Danilo Cymrot, autor do livro "O funk na batida: Baile, rua e parlamento", afirmou ao UOL que o texto é inconstitucional por aplicar censura prévia através de uma suposição de apologia ao crime. No entanto, essas investidas ainda são barulhentas. A proposta também foi levada à Câmara dos Deputados e ao Senado, e outras 12 capitais já apresentaram projetos similares.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, que durante a campanha à reeleição foi apoiado pelas produtoras GR6 e Love Funk, defendeu o projeto, mesmo afirmando que não conhece o conteúdo das músicas de Oruam pois “tem bom gosto”. É esse cinismo de autoridades e conivência de nomes influentes da música que deveria alimentar o rechaço popular a esse projeto.
Não dá para cantarolar uma vontade inquieta de sentar para a tropa do Oruam enquanto vira as costas para todo um movimento sendo ameaçado. O PL 26/2025 é uma tentativa de incriminar as mãos que seguram os microfones, enquanto as que empunham as armas são responsáveis por nove mortes em Paraisópolis.