★★★★☆
4/5
A bruxaria é um subgênero do funk que tem suas raízes na Zona Sul de São Paulo, caracterizado por montagens frenéticas, graves agressivos, sirenes, risadas distorcidas e Aquele famoso Tuim. Esse estilo ganhou visibilidade internacional especialmente com PANICO NO SUBMUNDO, álbum do DJ K lançado em 2023 (claro, o tema é mais complexo do que isso, mas daria um texto próprio).
Já o phonk — especialmente o chamado Brazilian Phonk — se tornou um fenômeno no TikTok ao tentar imitar a sonoridades do funk e seus subgêneros, mas sem a profundidade de sua construção. Ele suaviza os elementos mais marcantes do funk, transformando-os em um produto mais "acessível" para o mercado global, ao mesmo tempo em que esvazia e estratifica a cultura original, especialmente por meio da compra de acapellas, samples e a distribuição de versões slowed e slowed + reverb.
É nesse embate entre apropriação e autenticidade que surge Bruxaria Não É Phonk. No álbum, HALC DJ usa a sonoridade do beat bruxaria não apenas para explicitar suas diferenças com o phonk e expor seu caráter oportunista (e, convenhamos, ruim), mas também para explorar a própria sonoridade que advém desse espaço. Nesse sentido, a gente sabe que vários álbuns tentam se vender como manifestos políticos, mas, na prática, a mensagem parece um adendo tardio — um argumento de marketing para justificar certas escolhas estéticas. Bruxaria Não É Phonk não cai nessa armadilha. Ele é um álbum pensado desde o início para ser um comentário sonoro sobre essa disputa cultural sem perder de perspectiva que esse ainda é um álbum de bruxaria e que, portanto, pode explorar o gênero.
Desde o início, o álbum se apresenta como um grande DJ Set e termina com a faixa que introduz esse universo, numa constante reafirmação. Nela, além de simular a abertura de um show, HALC nos introduz ao universo sonoro da bruxaria: graves distorcidos, agudos estridentes e uma energia caótica que diferencia o estilo de qualquer tentativa de imitação. Aqui, a mensagem já se impõe: enquanto o phonk tenta reproduzir os graves texturizados da bruxaria, a batida nunca bate igual, porque a simples reprodução mecânica e da técnica não é o suficiente para dar cabo de um gênero tão antropomórfico e vivo como o funk. Esse processo de apresentar a bruxaria e o seu som em sobreposição a elementos que o phonk pretende emular aparecem o tempo todo no álbum, de forma sútil e mais escancaradas, construindo uma sonoridade coesa com a proposta geral, aquela que lê-se em seu título.
O disco também ironiza a apropriação das acapellas, um dos elementos mais icônicos do funk e que o phonk vem incorporando, em um processo de colonização musical no qual se privatizava as vozes, cada vez mais. Parte desse deboche está em “Anti Tiktok”, com Mc DDSV, em que HALC parece rir da tentativa de importação dessas vozes. A faixa soa como um tapa na cara: vocês podem até tentar roubar as acapellas, mas falta a malemolência.
A provocação atinge seu auge em “Som das Estrelas", colaboração com DJ Blakes. Aqui, HALC mistura bruxaria com house e techno, usando acapellas de Gw — um dos MCs mais sampleados no phonk. Nela, o deboche é escancarado: quando a batida toma um rumo mais próximo do phonk, o DJ interrompe tudo e solta um “sé loco, não compensa”. A música volta imediatamente para um grave agressivo de bruxaria. No segundo round, ele repete o truque, mas dessa vez sem sutileza:
“Eu quero que vocês se fodam”.
No meio desse caldeirão de rir de gringo tentando se apropriar da nossa sonoridade, HALC aproveita também para explorar algumas experimentações do seu próprio gênero, o que deixa tudo mais interessante. Óbvio que em primeira camada esse é um álbum que denuncia o phonk e sua relação predatória com o funk, mas isso não impede que ele brinque com os kicks, com a textura, com as montagens das acapellas e, até mesmo, com os outros subgêneros que dialogam com o funk. A exploração torna o álbum ainda mais sagaz: enquanto ridiculariza o phonk, HALC DJ empurra os limites do bruxaria sem se desviar de sua proposta.
No processo de exemplificar experimentação ou sátira, e por vezes ambas as coisas juntas, destaca-se ainda faixas como “Bruxaria do Complexo”, com DJ Dayeh, LARINHX e EBONY, que passa por diversos BPMs para, dessa forma, imprimir a identidade do bruxaria sobre outras sonoridades. Já “Ritual das Maconheiras”, com MC Flavinho e mc Evellyn, parece uma grande brincadeira de faders durante um DJ Set, acompanhado de “Kick com Delay”, com d.silvestre, Mc Gw e Mc Magrinho, e “Das Arábias”, com Mc Galaxia, que exemplificam algumas das experimentações feitas por HALC na produção.
Bruxaria Não É Phonk não é só um disco — é um posicionamento. HALC não só escancara o caráter predatório do phonk, mas reafirma a força criativa do bruxaria como um movimento vivo e inovador dentro do funk. Se o objetivo era expor essa disputa de forma inquestionável, ele conseguiu. O phonk pode tentar pasteurizar e exportar essa cultura de forma contrária aos seus reais significados, mas, no fim, nunca vai soar igual e tampouco criativo e inventivo como o bruxaria.
Ouça: Spotify
Selo: HINO DOS BAILES
Formato: LP
Gênero: Funk / Bruxaria