★★★★☆
4/5
Talvez apenas a completa deglutição do meu sistema nervoso pudesse, minimamente, descrever o que Los Thuthanaka, álbum de estreia autointitulado do duo formado por Chuquimamani-Condori e Joshua Chuquimia Crampton, oferece. Não apenas pelo que ele apresenta, mas pelo próprio pressuposto do que esse ofício significa para quem o exerce – um processo contínuo de construção e consolidação de uma linguagem própria. Essa linguagem, moldada em partes pelo epic collage, não apenas se utiliza de técnicas do gênero, mas também se coloca como uma anteposição aos construtos estabelecidos da música.
É grandioso por razões evidentes: organiza, sem proibições ou amarras, uma dúzia de colagens instrumentais, samples e fragmentos que se condensam em uma esteira de repetições e ritmo anárquico. Ao mesmo tempo, há um esforço genuíno para transmitir sentimento em cada uma dessas peças, compostas com uma força inexplicável de diálogo entre duas identidades musicalmente invulneráveis. Nesse sentido, o álbum se aproxima muito do que DJ E inicialmente estabeleceu.
A abertura, “Q'iwanakax-Q'iwsanakax Utjxiwa 06”, por exemplo, é profundamente emocional. Não teme soar melodicamente arrastada, furtiva em sua combinação de um farfalhar infinito de acordes doces – acordes esses triturados com um pudor de escolhas nitidamente delicadas. É belo. Há mais beleza e sentimento aqui do que se poderia admitir sem antes sentir, profundamente, seu próprio lugar como mero ouvinte sendo arrancado quase à força. Essa troca de posições é o que faz Los Thuthanaka ultrapassar a experiência e alcançar um novo patamar – algo que muitos artistas da música eletrônica buscam incansavelmente, tentando obstruir qualquer desvio de atenção. Mas, no caso da dupla, esse esforço se torna desnecessário, pois a imersão acontece organicamente.
É como se o trabalho que Chuquimamani-Condori e Joshua Chuquimia Crampton desempenham aqui nos acenasse da plateia de uma apresentação, uma performance, que extrapola as barreiras do observar, sentir e consumir. Parte desse efeito está na (des)forma da masterização, ou dos próprios instrumentos, formais, mas manipulados conforme a pressão que nos atrai para o centro desse universo sonoro é calculada. É o caso das guitarras de Joshua ao longo do álbum, especialmente nos momentos de maior intensidade de arranjos e estrutura, como em “Huayño ‘Ipi Saxra’” e “Caporal ‘Apnaqkaya Titi’”. A primeira, um gradiente de texturas e sobreposições que percorre oito minutos sem deixar rastros de destruição; a segunda, uma desconstrução ainda mais radical do que fragmentos vocais audíveis podem significar.
Por fim, é curioso tentar colocar em planos mentais toda essa sinfonia desregrada, esse verdadeiro caos musical que não se reivindica nem se esgota no esforço de simplesmente completar um lançamento, um disco para ser ouvido como tantos outros. O que Los Thuthanaka reúne é o que a música tem de mais provocador na atualidade: a união de duas mentalidades criativas que, apesar de suas identidades singulares, convergem para algo único. Mais do que despertar curiosidade, o álbum instiga e desafia – e deixa no ar uma questão inevitável: até onde esses dois nomes podem chegar? A resposta parece estar em sua própria riqueza inerente, perene, numa cultura que não pode ser colhida de forma ríspida ou rotineira.
Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Experimental / Sound Collage, Eletrônica
4/5
Talvez apenas a completa deglutição do meu sistema nervoso pudesse, minimamente, descrever o que Los Thuthanaka, álbum de estreia autointitulado do duo formado por Chuquimamani-Condori e Joshua Chuquimia Crampton, oferece. Não apenas pelo que ele apresenta, mas pelo próprio pressuposto do que esse ofício significa para quem o exerce – um processo contínuo de construção e consolidação de uma linguagem própria. Essa linguagem, moldada em partes pelo epic collage, não apenas se utiliza de técnicas do gênero, mas também se coloca como uma anteposição aos construtos estabelecidos da música.
É grandioso por razões evidentes: organiza, sem proibições ou amarras, uma dúzia de colagens instrumentais, samples e fragmentos que se condensam em uma esteira de repetições e ritmo anárquico. Ao mesmo tempo, há um esforço genuíno para transmitir sentimento em cada uma dessas peças, compostas com uma força inexplicável de diálogo entre duas identidades musicalmente invulneráveis. Nesse sentido, o álbum se aproxima muito do que DJ E inicialmente estabeleceu.
A abertura, “Q'iwanakax-Q'iwsanakax Utjxiwa 06”, por exemplo, é profundamente emocional. Não teme soar melodicamente arrastada, furtiva em sua combinação de um farfalhar infinito de acordes doces – acordes esses triturados com um pudor de escolhas nitidamente delicadas. É belo. Há mais beleza e sentimento aqui do que se poderia admitir sem antes sentir, profundamente, seu próprio lugar como mero ouvinte sendo arrancado quase à força. Essa troca de posições é o que faz Los Thuthanaka ultrapassar a experiência e alcançar um novo patamar – algo que muitos artistas da música eletrônica buscam incansavelmente, tentando obstruir qualquer desvio de atenção. Mas, no caso da dupla, esse esforço se torna desnecessário, pois a imersão acontece organicamente.
É como se o trabalho que Chuquimamani-Condori e Joshua Chuquimia Crampton desempenham aqui nos acenasse da plateia de uma apresentação, uma performance, que extrapola as barreiras do observar, sentir e consumir. Parte desse efeito está na (des)forma da masterização, ou dos próprios instrumentos, formais, mas manipulados conforme a pressão que nos atrai para o centro desse universo sonoro é calculada. É o caso das guitarras de Joshua ao longo do álbum, especialmente nos momentos de maior intensidade de arranjos e estrutura, como em “Huayño ‘Ipi Saxra’” e “Caporal ‘Apnaqkaya Titi’”. A primeira, um gradiente de texturas e sobreposições que percorre oito minutos sem deixar rastros de destruição; a segunda, uma desconstrução ainda mais radical do que fragmentos vocais audíveis podem significar.
Por fim, é curioso tentar colocar em planos mentais toda essa sinfonia desregrada, esse verdadeiro caos musical que não se reivindica nem se esgota no esforço de simplesmente completar um lançamento, um disco para ser ouvido como tantos outros. O que Los Thuthanaka reúne é o que a música tem de mais provocador na atualidade: a união de duas mentalidades criativas que, apesar de suas identidades singulares, convergem para algo único. Mais do que despertar curiosidade, o álbum instiga e desafia – e deixa no ar uma questão inevitável: até onde esses dois nomes podem chegar? A resposta parece estar em sua própria riqueza inerente, perene, numa cultura que não pode ser colhida de forma ríspida ou rotineira.
Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Experimental / Sound Collage, Eletrônica