Especial | American Football e envelhecer


O revival de subculturas do rock dos anos 90 e a relação entre tempo, expectativa e o próprio fazer artístico.

Nos últimos 5 anos venho descobrindo alguns movimentos e gêneros de um rock mais alternativo – nem tão mainstream, mas nem tão underground assim – que aconteceram, sobretudo, nos anos 90.

Após me apaixonar pelo slowcore de Duster, me veio a revelação de que não era somente eu o felizardo a encontrar os subgêneros marginais dos anos 90. Me percebi dentro de um fenômeno cultural: o chamado revival. Tudo fez sentido. Slowdive havia voltado 21 anos após seu último lançamento, Drop Nineteens também, 20 anos depois, e o próprio Duster, com hiato de 19 anos. Os novos e antigos sons estão circulando por aí, como parte de um novo movimento, influenciando, cativando novos públicos e, sobretudo, lotando shows.

Deste quesito, há um texto maravilhoso da Pitchfork sobre o fenômeno, muito influenciado pelas redes sociais, virais no TikTok e memes. Um novo consumo e uma nova circulação para a música, sem dúvidas, que certamente me fez ser pego por isso, mesmo ainda preso ao já velhote Instagram. Os timbres de Duster não me eram estranhos. Um reels, deve ter sido.

Até que em 2024, um grande músico e amigo maior me apresenta a joiazinha do último ano do milênio: American Football. Chamada de midwest emo 
 que eu já acho até mais math rock  com umas coisas de jazz, que é muito, mas muito adolescente.

Os vocais de Mike Kinsella (também de bandas como Cap’n Jazz e Joan of Arc) são esganiçados, emocionados e, de certa maneira, fora de controle. A energia colegial, das transições à vida adulta, das despedidas amorosas, dos amigos que partiram e aquela mudança de bairro que você nunca se esqueceu são alguns dos temas, imagens e sensações habitadas nesse disco de estreia, e, durante muito tempo, único disco da banda.

Essa estética não permeia a escuta à toa. A banda, formada também por Steve Holmes e Steve Lamos, registrou em estúdios as composições durante as últimas semanas do último período da faculdade. E é muito preciosa a maneira como, até mesmo sem querer, todo esse universo permeia a construção musical do primeiro disco, que mantém, até seu último minuto, uma tensão muito interessante entre a emoção e energia imediata de uma juventude, e uma resolução madura de problemas da vida.

O disco mais parece uma celebração dos anos em que os três músicos passaram tocando juntos, e encerra um ciclo para os artistas, já que a banda é dissolvida logo após o lançamento do trabalho. Isso tudo deixa uma mística a ser rastreada, reencontrada nesses sons. Uma magia que foi perdida, um sentimento que não volta mais, quase memória mesmo.

Talvez por isso, o álbum, ao longo de todos esses anos, acabou por ganhar ares cults, principalmente porque influenciou diversas bandas em sua forma de compor, timbres, e abordagem temática. 17 anos depois, a banda anuncia seu retorno ao estúdio e lança American Footbal (LP2).

E foi uma decepção particular. Ouvir o disco logo após de me apaixonar pela estreia me causou estranheza. A voz de Mike, muito mais envelhecida, as canções um pouco menos solares, mais assentadas e com menos energia. Eu queria meus jovenzinhos de volta. Que crueldade.

A gente espera que as coisas não mudem, que o tempo solva apenas os equívocos, o que não mais nos serve. O Arctic Monkeys tinha que continuar rockeiríssimo, o Caetano não deveria usar beats, e o Coldplay deveria continuar a tentar ser o Radiohead mais popular invés de lotar estádios mundo afora com luzinhas piscantes.

Mesmo ao saber que sequer nós somos os mesmos diante essas obras – absolutas sobre o seu momento de criação – algo em mim ainda acreditava que a juventude impressa nas fitas do LP1 estaria ali, 17 anos depois. Era desejo mesmo.

Precisaram de mais 3 anos de composição para me convencer. Em 2019, a banda lança o sucessor, American Football (LP3), e me desmonta. Em um caminho mais puxado para o post-punk, dreampop e post-rock, eles encontram um novo rumo para as tantas tristezas ali cantadas por Mike, e se aproxima de bandas como Slowdive – com a própria Rachel Goswell, uma das vocalistas, colaborando em uma faixa do trabalho. Diferente, sobretudo, agora aqueles rapazes fazem músicas de pais tristes. Será incomparável para sempre o que é aquele disco de estreia. Nada trará aqueles timbres de volta, aquelas letras, as ideias soltas, a sensação de improviso; um pulso de imediatismo que é típico da idade e de um conjunto que precisa correr para finalizar o registro. Mas encontrar neste último álbum uma nova abordagem para o que definiu a proposta da banda por anos, meio que dá sentido a tudo.

Passei a olhar com mais carinho o segundo trabalho, e encontrar naquelas guitarras e, principalmente, no vigor dos baixos, novas emoções, novas imagens do que é esse American Football. A banda já é outra, assim como o momento. Mas deixa a gente nesse estado estranho, de esperar por algo que já passou, mesmo com a certeza de que só se encontra o que se espera quando se procura no mesmíssimo lugar.

A trajetória da banda até o terceiro trabalho me revelou algo de precioso sobre o tempo e arte que sempre desconfiei. Ele, a matéria estranha, apanha um momento muito único a partir dessas obras, que agarram, o máximo que conseguem, todas aquelas emoções. Mas nele existem frestas pelas quais alguns desses sentimentos vazam por entre. Por culpa nossa ou não, que bom que American Football retornou. Poderia até fazer discos alheios a tudo o que um dia a banda já foi – o que não é o caso aqui –, mas ainda nos faz sentir alguma coisa. Disso, o tempo vale

Pedro Antunes de Paula

Pedro Antunes de Paula é jornalista musical, colaborador e crítico do veículo baiano El Cabong, onde cobre a cena cultural da região e do país. Graduando em Comunicação pela UFBA, pesquisa o gênero da Música Ambiente pelo viés da Semiótica Peirciana. Além disso, é multiartista, músico, compositor e produtor musical, e está à frente do projeto cajupitanga. Também gerencia o subselo ensayos contemporâneos, braço do histórico Cantores Del Mundo.

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