Clássicos do Aquele Tuim | The Attitude Era (2012)


★★★★★
5/5

Uma pergunta simples e direta, mas com uma resposta bastante complicada: o que define um clássico? Para muitas pessoas, está diretamente relacionado ao fator tempo. Mesmo que essa não seja a resposta final ou correta, é a partir do tempo que podemos definir várias questões sobre The Attitude Era. Portanto, vou assumir essa resposta como verdade e, a partir dela, começar a pensar na possibilidade de concretizar o álbum como um clássico — e sim, isso tem mais a ver com o autor deste texto do que com o álbum em sí ou à indústria, já que, para estes, Dean Blunt e Inga Copeland nunca se preocuparam em dar alguma satisfação.

Gostaria, portanto, de me livrar de antemão da relação óbvia de tempo que o texto sugere: a com o hypnagogic pop. Relação óbvia, pois já existe um texto no site que aborda essa conexão entre o gênero e a criação de uma música propositalmente anacrônica de forma suficiente.

A partir disso, irei me ater à ideia de que o álbum não constrói apenas uma atmosfera anacrônica ou nostálgica, mas é, essencialmente, um exercício de pensar qual forma a música pop deveria ter no século XXI. Hoje, é possível pensar que a criação de música pop no século XX era autofágica. Ou seja, muito do que se consagrou como música pop (e aqui estou considerando qualquer tipo de música que conquistava o status de música comercial, que não era experimental, acadêmica ou clássica) era uma absorção de gêneros, cenas e formas artísticas musicais não comerciais. Claro, isso ainda acontece, mas agora se tornou essencialmente um fenômeno fora da música pop, restrito a músicas que dificilmente alcançarão um grande status comercial na indústria.

A construção de uma temporalidade dentro do álbum, então, passa a ser discutida a partir de um presente que não existe; é uma utopia em si mesma. A dupla Dean Blunt e Inga Copeland pareciam viver essa utopia desde o seu grupo Hype Williams. Em uma entrevista à revista The Wire, em 2011, Dean Blunt fala sobre o grupo ser um projeto de música pop, sobre como o que eles criavam era “apenas” música pop. Nessa mesma entrevista, a revista destaca um cover de “The Sweetest Taboo” da banda Sade (o único cover que a dupla fez quando estavam juntos), que foi lançado em um de seus álbuns. Qualquer pessoa que escutar esse cover perceberá imediatamente: não se trata apenas de um cover, mas de uma reinvenção completa da forma de uma música pop.

Voltemos à utopia: o que Copeland e Blunt criam ao longo de toda a trajetória do grupo Hype Williams, e que aparece como produto final em The Attitude Era, é um mundo onde a música pop simplesmente soa desse jeito. A parte da autofagia também é importante para eles; os dois são absolutamente fascinados pela criação artística da Inglaterra. Não é segredo para ninguém que esse foi um lugar de grande efervescência e criação artística ao longo do século XX, pioneiro em muitas áreas, especialmente na música eletrônica. Mas, ao mesmo tempo, nunca houve um reconhecimento das origens da criação desses gêneros. Também não é segredo que, sem o dub jamaicano, nenhum desses gêneros (não apenas os de música eletrônica, mas até mesmo boa parte do punk) teria sido possível.

Isso também explica o motivo de as imagens de Haile Selassie serem tão recorrentes na iconografia da dupla, e de estarem também na capa de The Attitude Era. Contudo, não é apenas isso, já que o dub também desempenha um papel essencial neste álbum. Uma das coisas mais destoantes dessa obra é a criação de uma música pop a partir do dub, um gênero que também é utópico em si mesmo. Tudo o que poderia ser classificado aqui como “psicodélico” é, na verdade, uma representação distorcida da realidade — e isso não no sentido negativo, pois talvez seja justamente distorcendo as coisas que conseguimos pensar em outras formas para elas existirem. E claro, isso tudo também diz respeito à música.

Há algum tempo, conversei com uma pessoa no X (ex-twitter) sobre o álbum, e ela o definiu como uma crítica à “pós-modernidade”. Embora esse termo seja bem complicado e eu não tenha a intenção de me debruçar muito nele, gostaria de fazer uma pequena consideração sobre essa relação entre The Attitude Era e a pós-modernidade, já que essa definição me chamou a atenção de forma positiva.

Eu não considero uma crítica; pelo contrário, vejo-o como um abraço a toda contradição do que podemos chamar de pós-modernidade. É uma celebração da possibilidade de construir as coisas de outra forma. Para muita gente, infelizmente, o século XXI representa apenas o final de tudo o que foi perdido no século XX — a grande catástrofe que estamos apenas esperando acontecer e destruir tudo. Apesar de, confesso, por vezes me sentir assim também, não acredito que isso seja totalmente verdadeiro. Aqui, Inga Copeland e Dean Blunt discordam disso através da linguagem desse álbum. A celebração que mencionei antes é, de fato, uma celebração das infinitas possibilidades de construção musical, que não precisam dar mais satisfação a nada e nem a ninguém. Músicas que podem ser músicas pop, mesmo com técnicas completamente não usuais, e que podem ousar ser apenas aquilo que se deseja: um som agradável que foi colocado ao contrário e permaneceu assim, simplesmente porque "ficou melhor".

No fim, eles mesmos confirmam: tudo isso é apenas trabalho. Música é um emprego. E se, mesmo sendo dois artistas que entenderam esse beco sem saída — que compreenderam o mercado da indústria enquanto ideologia e supressão do valor artístico — ainda há a intenção e a coragem de criar um álbum inconvencional, que respira, vive, distorce o mundo através da música e faz muita gente acreditar em uma utopia possível, então este é, sem dúvida, o álbum mais importante do século XXI. E um clássico óbvio.

Selo: Independente
Formato: LP
Gênero: Experimental / Hypnagogic Pop, Minimal Wave

Tiago Araujo

Graduando em História. Gosto de música, cinema, filosofia e tudo que está no meio. Sou editor da Aquele Tuim e faço parte das curadorias Experimental, Eletrônica, Funk e Jazz.

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