Crítica | Can’t Lose My (Soul)


★★★☆☆
3/5

Em mais um disco do grupo Annie and the Caldwells, a banda se afasta dos arranjos funk e dos discos altamente sofisticados, tão presentes em Answer Me (2013) para resgatar as raízes com um gospel profundo. Como se uma máquina do tempo os transportasse para um cenário onde o blues e o soul progressivo se entrelaçam, cada faixa emerge como uma peça única de um conjunto cerâmico raro.

A construção familiar é o cerne deste projeto. Gravado em uma igreja da mesma rua onde Annie e Joe vivem – espaço que já foi palco de gerações de devoção – o álbum se transforma em um retrato de união. Todos os Caldwells estão envolvidos: do seu marido Joe na guitarra, às filhas Deborah, Anjessica e sua afilhada Toni que emprestam seus vocais, sem esquecer dos talentos dos filhos, com Willie Jr. no baixo e Abel Aquirius na bateria.

A pergunta que fica é “onde esse talento estava escondido?”, mas a resposta parece óbvia: na rotina de empilhadeiras, salas de aula e atendimento ao cliente que sustentam a banda. Essa dualidade entre o cotidiano e a música explica muito do álbum: é um trabalho que não pretende ser épico, apenas verdadeiro.

O desempenho neste disco é, sem dúvidas, magistral. Os vocais de Annie, com uma pureza que evoca a presença de um anjo, transmitem sentimentos de forma visceral – se o disco contasse apenas com sua voz, já seria uma obra de rara beleza. Os vocais de apoio se fundem harmoniosamente com os dos demais membros, criando uma performance coesa e intensa que pulsa emoção em cada nota.

A versatilidade de Annie, ao alternar entre gritos rasgados e tons contidos, amplia a narrativa musical e intensifica o impacto emocional de cada canção. Contudo, os instrumentais se apresentam como o calcanhar de Aquiles do projeto. As cordas e a bateria, embora captadas com excelência, soam competentes mas, por vezes, demasiadamente conformistas – como se os músicos de sessão seguissem a partitura sem ousar reinventar. Em faixas mais curtas, o groove discreto do baixo de Willie Jr. e a batida contida de Abel criam a base perfeita para os vocais brilharem; já em momentos estendidos, a falta de risco torna os arranjos previsíveis. Os solos de guitarra de Joe, embora técnicos, seguem fórmulas clássicas sem inovar, levando a banda a, inadvertidamente, subestimar o potencial de um instrumental numa música; enquanto Annie voa, os instrumentais permanecem ancorados.

Mesmo com esses contrastes, Can’t Lose My (Soul) se apresenta como um trabalho singular que brilha por sua sinceridade. Em um cenário musical muitas vezes marcado pela repetição, é fascinante encontrar um grupo que resgata o melhor do gospel.

Selo: Luaka Bop
Formato: LP
Gênero: R&B / Soul, Gospel, Soul Progressivo
Antonio Rivers

Me chamo Antonio Rivers, graduando em História, amazonense nascido em 2006. Faço parte do Aquele Tuim, nas curadorias de Experimental, Eletrônica, R&B e Soul.

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