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Praticamente, qualquer um que diga: “eu acompanho todos os lançamento do Merzbow”, provavelmente estará mentindo. Porém, de vez em quando, surge um álbum dele que todo mundo acaba escutando. No meu caso, o Spotify me recomendou um desses durante a minha ida ao trabalho pela manhã. E não há ironia maior do que o Spotify sugerir que você escute um álbum do Merzbow — ainda mais dentro de um ônibus às 7h30 da manhã.
Mesmo que quase ninguém consiga realmente acompanhar tudo que ele lança, é curioso como, em situações como essa, sem maiores pretensões, você acaba sendo colocado diante de um lançamento interessante. Talvez porque alguns artistas não envelhecem nunca. Ou melhor, as ideias que eles propuseram para a música continuam sendo relevantes, mesmo após mais de 500 álbuns lançados.
Esse é o caso de Hatonal, um álbum bastante incomum para o artista, especialmente considerando sua fase mais recente, em que ele estava explorando caminhos de produção de músicas com o uso de ferramentas de inteligência artificial. Neste novo trabalho, ele retorna, em parte, a uma sonoridade mais próxima daquela que o consagrou nos anos 90. Um pouco menos agressivo, eu diria, mas ainda muito focado na exploração de texturas uniformes — algo que remete a um noise mais voltado para o drone.
A ausência de uma agressividade “óbvia” do harsh noise mais típico do Merzbow não incomoda em nada. Pelo contrário, ele acaba engrandecendo bastante a sua obra, que, no estágio atual, muitos dizem estar ultrapassada em termos de experimentação ou, simplesmente, redundante.
Isso não significa, entretanto, que o álbum esteja completamente livre de redundâncias. Ainda há o uso de técnicas merzbownianas bem óbvias (principalmente o noise gerado por feedback), mas, nesse caso, a redundância acaba sendo minimamente refrescante. Isso porque, para esse tipo de música, o mais importante muitas vezes é o que se constrói texturalmente — algo que, mesmo sem ter ouvido todos os lançamentos do artista, sei que não é comum quando os barulhos do artista chegam a quase massagear seus ouvidos. É uma sonoridade surpreendentemente agradável.
Muito se fala sobre como a enorme quantidade de álbuns de Merzbow poderia ser um tiro no pé, com sua obra sendo engolida por uma avalanche de si mesma. No entanto, é importante ressaltar que essa definitivamente não parece ser uma preocupação para o artista. E sim, talvez Hatonal seja apenas mais um álbum que será engolido por outros lançamentos dele, e que quase ninguém ouvirá, mas qualquer pessoa que o escutar saberá que, acima de tudo, a principal preocupação do artista continua sendo fazer algo genuíno com a música. Por isso, sua obra pode até passar despercebida, mas nunca envelhece.
Selo: Blod
Formato: LP
Gênero: Experimental / Noise