Crítica | Não tem nada pra ver aqui


★★★★☆
4/5

Ao contrário do que o nome possa sugerir, há muito para se ver — e ouvir — em Não tem nada pra ver aqui, álbum de estreia da banda de indie rock paulistana Celacanto. Disponível nesta quinta-feira (17/04) pelo selo Matraca Records, o álbum, o qual pudemos ouvir antecipadamente, explora muito do que é familiar aos ouvidos dos entusiastas do gênero, mas inova ao fazê-lo de forma bastante própria, escolhendo com cuidado sua estética sonora e aplicando-a com primazia em suas composições e construções musicais.

Há uma série de elementos simples que, entrelaçados, formam uma construção bonita, que revela um nome promissor na cena musical paulistana. A começar pela proposta: conforme a própria banda sugere, o álbum se divide em dois, sendo que as composições da primeira parte se debruçam sobre o caos externo de um mundo acelerado e corporativista, enquanto as da segunda transparecem um eu lírico contemplativo, voltado para o caos interno.

Analiso que essa divisão, por mais visível que seja, por vezes se funde em uma só, sobretudo na parte “introspectiva” do álbum, ao passo que a banda parece arriscar experimentar “caminhos” dentro de sua própria proposta. Refiro-me à faixa “Vendo demais”, certamente a que mais se aproxima do rock psicodélico, que parece propositalmente deslocada, o que torna a escuta ainda mais interessante e imaginativa e a segunda parte do LP mais sinuosa, com um percurso não óbvio, e talvez por isso mesmo tenha sido uma de minhas favoritas.

Também é importante mencionar as ótimas faixas que recheiam cada uma das metades, e suas relações com o time de inspirações do qual Celacanto bebe da fonte: a faixa de abertura, “Não tem nada pra ver aqui”, abre magistralmente a obra, elucidando a proposta inicial de forma densa e quase agressiva enquanto uma voz repete comandos mecanizados, em uma crítica ao capitalismo e à velocidade do mundo atual. “É de Pano” é outro ótimo destaque, um revival do Radiohead de In Rainbows em uma roupagem crítica e abrasileirada, que encerra perfeitamente a primeira metade e cria um contraponto incrível com “Cedo”, que abre a segunda parte.

“Cedo”, inclusive, é solar, apaixonada e bem brasileira, na melhor estética indie rock, lembrando algo entre Banda do Mar e Maglore, mas não apenas isso. Por fim, não poderia haver escolha melhor para o encerramento do LP senão “Você está ficando velho”, marcando o ápice da temática internalizada, em um piano emotivo que lembra timidamente Milton e Lô Borges, e nitidamente as canções d'O Terno, todos influências declaradas dos artistas.

Loopings e distorções bem aplicadas, ritmos ora sincopados, ora difusos, o abrilhantamento de uma sanfona e um piano e linhas de bateria sempre bem marcadas coroam o lançamento, fazendo de todo esse conjunto uma sábia união de elementos que, agrupados, marcam um início sólido e de muita personalidade, também deixando em aberto bons caminhos pelos quais Celacanto pode seguir em seus próximos passos. Por aqui, já espero ansiosa para saber quais serão eles.

Selo: Matraca Records
Formato: LP
Gênero: Rock / Indie Rock, Punk Rock
Raquel Nascimento

De um lado, é profissional do texto há 8 anos, atuando como revisora, redatora, tradutora e escritora. De outro, é cantora e baterista, apaixonada por música de todos os gêneros. Unindo essas duas vertentes, escreve para o Aquele Tuim, fazendo parte da curadoria de Rock.

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