Crítica | Nenhuma Estrela


★★★☆☆
3/5

Antes de tudo, existe o tempo — o tempo que passa, o tempo que transforma e o tempo que nos molda. Há algo que antecede a nossa percepção do mundo e algo que vem depois. No meio disso, está a dualidade: o ponto onde os opostos coexistem, se encontram, se chocam e se revelam. Em Violeta (2019), Terno Rei atingiu um marco, representando a continuação de um caminho brilhante e a transformação que revela os contrastes de uma trajetória construída ao longo de anos. O que vem depois dessa mudança não é nem bom nem ruim. É apenas o que é, como um reflexo do que já foi, sem querer se transformar em algo além de si mesmo. E, de alguma forma, isso é inevitável.

Se olharmos para a história da banda, desde Vigilia (2014), encontramos o nascimento de um som cru, impregnado por uma pegada lo-fi, em que o shoegaze e o dream pop se fundiam de maneira orgânica. Era a energia de uma juventude que, por meio da sonoridade, buscava a intensidade do ser. Em Essa Noite Bateu com um Sonho (2016), a banda manteve essa identidade lo-fi, mas com uma abordagem mais cuidadosa — como se tudo soasse mais pensado, mais maduro. Já em Violeta (2019), o grupo deu um passo decisivo, mudando de forma e se aproximando de uma sonoridade mais polida, mas sem perder a essência da melancolia e introspecção que sempre caracterizam suas músicas. Depois, em Gêmeos (2022), vimos a incorporação de influências do pop rock dos anos 2000, mas com Nenhuma Estrela, vemos a banda redefinindo mais uma vez o que a caracteriza. Não é uma evolução simples, mas uma ruptura, uma busca por um lugar onde tudo se perde para se encontrar — mesmo que em alguns momentos pareça ainda estar perdido — há uma nova consciência do tempo, do processo e da inevitabilidade do que vem depois.

No álbum, canções como “Peito” revelam uma intensidade emocional que parece carregar o peso de todas as transformações anteriores. A letra fala de uma dor persistente, de um amor não correspondido, mas também de um desejo profundo de ser visto e compreendido. A dor do eu lírico, que é simultaneamente crua e vulnerável, é uma constante que atravessa todo o registro. Em “Viver de Amor”, a entrega ao amor é total, mas também há a conscientização de que só o sentimento não basta. A vida e a morte se entrelaçam em uma dança de intensidades, cujo eu lírico se perde e se encontra, se consome e se reconstrói, tudo isso através de uma sonoridade suave, arranjos delicados e melodias etéreas.

Porém, Nenhuma Estrela não se limita à dor e à entrega. “Nada Igual” é uma busca por sentido em meio ao caos e a saudade, em que o amor se apresenta como a única luz capaz de nos guiar através da escuridão. A busca pelo sentido é uma constante, um tema que aparece também em “Nenhuma Estrela”, faixa-título. Aqui, a ruptura com o que se pode controlar é clara. Não há mais o que se possa fazer para segurar o que está escapando; a canção é uma explosão de sentimentos conflitantes, uma sensação de perda que não se pode mais negar. E falando nisso, esse enfrentamento da perda e da fragilidade também é expresso em “Pega”, peça que as dores do tempo e da ilusão ganham contornos de desesperança, enquanto o peso emocional é palpável, como um grito silencioso.

Em “Casa Vazia”, a vulnerabilidade de uma espera que parece interminável se coloca como uma das canções mais tocantes do álbum. A falta e a ausência são sentidas e entendidas de maneira visceral. Já em “Acordo”, parece que a narrativa finalmente alcança o que buscava, mas se vê sobrecarregada pelas acusações e pela pressão externa, e a música se torna um reflexo de uma batalha difícil, mas necessária. “Tempo”, por sua vez, é uma canção construída gradualmente, que se perde no caminho e nos deixa à beira de um colapso. A letra fala sobre a luta entre a necessidade de mudança e a pressão implacável do tempo que não cessa. Ao não atingir o clímax esperado, a música traduz essa frustração, essa sensação de estar em constante movimento, mas sem conseguir alcançar algo concreto.

“Próxima Parada” marca um respiro dentro da lista de músicas, com suas batidas lentas e arrastadas, misturando sintetizadores e instrumentos orgânicos. A canção, com seus sons programados, cria um lugar etéreo e nostálgico, como se o tempo estivesse em suspensão. Em “32”, a reflexão sobre o amadurecimento pessoal e o passar do tempo é explorada com uma sensibilidade delicada, e “Relógio”, com a participação de Lô Borges — que marca o primeiro feat da banda em um álbum — explora o calor das guitarras e a riqueza dos arranjos, criando uma sensação de plenitude que transita entre o íntimo e o expansivo.

Assim como no início, onde há algo antes e algo depois, Nenhuma Estrela é o agora — o meio onde tudo se encontra, se confunde e se revela. É o ponto em que a sombra e a luz dividem o mesmo espaço, onde a certeza e a dúvida coexistem sem precisar se anular. O álbum tem seus momentos de força e também seus pontos de fragilidade, como qualquer coisa viva. Mas é justamente essa imperfeição que o torna verdadeiro. Ele não quer ser mais do que é — e, por isso mesmo, é imenso. Como um céu nublado em que não se vê nenhuma estrela, mas ainda assim se sente que há algo lá em cima: não precisa brilhar para ser. É. E isso basta.

Selo: Balaclava Records
Formato: LP
Gênero: Rock / Jangle Pop, Pop Rock

Brinatti

Cientista Social formado (antropólogo e sociólogo), mestrando em Antropologia Social, 27 anos. Editor, redator e repórter no Aquele Tuim, com participação nas curadorias de Funk e Pop.

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