Crítica | "What Was That"


Tenho pena, sim — mas não é superioridade. É pena mesmo. De quem não testemunhou o surgimento de Lorde em tempo real, de quem perdeu o impacto inicial de “Royals”, uma música que parecia vir de um lugar onde o pop ainda não tinha chegado. E digo isso porque acompanhar a neozelandesa desde o início de sua carreira é entender que cada era reflete um estado emocional — e, quase sempre, filosófico — sobre o viver. Pode haver quem discorde, é claro, mas cada fase da artista traduz sua visão de mundo e de si mesma.

Desde Pure Heroine (2013), passando pelo monumental Melodrama (2017), até o polarizador Solar Power (2021), existe um fio — ainda que tênue, ainda que fragmentado — que conecta todos esses momentos. Por isso, é nesse contexto que surge “What Was That”, o primeiro single do próximo álbum ainda sem título. Antes de falar sobre ele, no entanto, vale retroceder e conectar os pontos.

Quando “Royals” foi lançado, apresentou uma batida seca e sintetizadores esparsos. Em outras palavras, era um grito contido. Mais do que isso, era um pop minimalista que ironizava o próprio pop — provando que não precisava de exuberância para ser imponente. Aos 17, Lorde dizia muito sem levantar a voz. Assim, nascia uma estética da negação e anti-popstar: introspectiva, observadora, distante. Um olhar suburbano, quase clínico, para um mundo que vendia sonhos inalcançáveis. E talvez por isso, tão genuíno.

Na sequência, veio “Green Light” — e com ela, o estouro. A raiva, o abandono, a liberdade performática de quem se permite sentir tudo. A faixa é grandiosa não apenas pela sua produção, mas na forma como escancara o emocional. Se antes “Royals” representava o olhar de fora, “Green Light” simbolizava o mergulho. Em outras palavras, o melodrama virou forma; o drama, espetáculo. Por outro lado, “Solar Power” caminhou na contramão — e talvez justamente por isso tenha causado tanto estranhamento. Com uma sonoridade solar, quase bucólica, a canção trouxe um respiro acústico em meio ao caos. Era o som de alguém tentando se apagar, se dissolver no natural, desconectar-se da engrenagem. Ainda assim, a crítica à fama permanecia — mesmo que diluída, quase indetectável. Era o som do refúgio — e, talvez, de um alívio apenas aparente.

É exatamente nesse ponto que “What Was That” se insere, mostrando que fugir não foi suficiente. Afinal, o sol não apagou as marcas. Com vocais claros, arpejos eletrônicos que quase lembram cintilações e um impacto que cresce sem precisar de explosão, a canção soa como uma ressaca sensorial — seja de um amor intenso, seja de uma viagem emocional que terminou mal. Em suma, trata-se de uma revisitação da dor, agora em estado sóbrio.

O verso “MDMA in the back garden”, além de representar uma imagem, funciona como uma cápsula do tempo. Uma memória com gosto de euforia, agora contaminada pelo vazio. Nesse sentido, há algo fascinante na forma como Lorde retrata esse estado: ela revisita o passado como quem revive uma viagem sob efeito, mas agora com os olhos abertos, encarando o que sobrou. Encarando, enfim, a verdade.

Assim, se lá atrás em “Royals” observava o luxo com frieza adolescente (“We don’t come from money”). “What Was That” observa o amor com distanciamento adulto (“Now we wake from a dream”). Antes, ela ironizava o mundo; agora, tenta entender a si mesma. Embora ainda ecoam elementos de “Green Light” — o excesso sensorial, a tentativa de esquecer, a intensidade de lembrar — o sentimento é outro. Onde antes havia movimento, agora há estagnação. Se antes corria, agora para. A adrenalina virou saudade. A festa virou eco.

E se em “Solar Power” havia a esperança de apagar a dor no sol (“Forget all the tears”), em “What Was That” essa negação já não se sustenta. “Whatever has to pass through me, pass through”. A dor vem — e ela aceita. A fuga falhou. O que restou foi a memória — crua, clara e inevitável.

Selo: Universal Music New Zealand
Formato: Single
Gênero: Pop / Alt-pop, Electropop, Dance-pop

Brinatti

Cientista Social e Antropólogo, 28 anos, mestrando em Antropologia Social. Editor, redator e repórter no Aquele Tuim, com contribuições nas curadorias de Funk e Pop.

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