Entrevista | Lucy Liyou fala sobre novo álbum, música experimental e a coletânea Transa


Destaque da música ambiente, cantora estadunidense conversou com o Aquele Tuim sobre melancolia, experimentalismo, k-pop e como foi participar de um projeto com Sade.

Quando Lucy Liyou entrou em uma chamada de vídeo para a entrevista, o ar pareceu ficar mais leve. A cantora estadunidense construiu sua artisticidade em um alicerce de melancolia e desamparo, mas frente a frente não poderia ser mais otimista e alegre. Vestindo uma camiseta rosa bebê, uma tiara na cabeça e munida de um simpático sorriso, ela estava pronta para nossa conversa.

E havia bastante material para discutirmos. Um novo álbum de partir o coração, um cenário frutífero para a música ambiente e uma participação em uma coletânea com grandes artistas. Mas também o fato de ser um momento importante para este portal. O álbum Dog Dreams, de 2023, foi a primeira crítica produzida para o Aquele Tuim, quando tudo era apenas uma newsletter e um sonho. Agora tudo é uma newsletter, um site e um sonho.

Ela conta que leu traduções das análises sobre os projetos dela e que se sente grata por seu trabalho atravessar fronteiras. “É sempre fascinante e surpreendente quando pessoas de fora dos Estados Unidos ouvem minha música, porque eu nem sei como ela chega até as pessoas. E eu fico muito tocada e grata que ela alcance as pessoas dessa forma, fora só do meu grupo de amigos.”

No momento, Lucy faz um mestrado em música e deve se formar neste semestre. Ela já estudou Políticas Educacionais anteriormente, mas decidiu se entregar por inteiro às artes. Foi ao entrar na faculdade que ela começou a produzir suas próprias músicas, das quais ela não poupa elogios: “Eram bem ruins, eram MUITO ruins”.

Every Video Without Your Face, Every Sound Without Your Name

O lançamento recente é um dos mais angustiantes da discografia de Lucy Liyou. As faixas começaram a nascer ainda na graduação, quando ela tinha 19 anos. A maior parte delas havia sido escrita com base no desejo de ser amada e aceita por seus pais enquanto uma mulher trans. Porém, com o passar dos anos, o desejo se dissipou e novos receios surgiram.

O projeto acompanha um iminente término de relacionamento. O namorado de Lucy está prestes a se mudar e eles sabem que não vão mais conseguir ficar juntos. O título (“Cada vídeo sem o seu rosto, cada som sem o seu nome”) soa poético, mas Lucy conta que possui um significado bem direto.

“Acho que essa foi a parte mais trágica para mim. Porque eu tenho muitos vídeos dele, tenho muitos vídeos meus e tenho muitos vídeos onde eu digo o nome dele, mas eu não tinha muitos vídeos mais contextuais que não mostram nenhum de nós. E é como se eles estivessem capturando o momento sem a nossa presença”, explicou.

“Acho que foi a primeira vez que não pensei [no álbum] como um conceito. Normalmente penso no meu trabalho como um conceito porque sou super inspirada por ópera e gosto da ideia de contar histórias. Esta é a primeira vez que levei tudo de forma muito literal.”

Para mim, quando lanço algo, eu sinto que posso seguir em frente. Não se trata apenas da música, mas também do material temático que está atrelado à música. Então acho que poder compartilhar isso com as pessoas, lançar e finalizar dessa forma me permite enxergar o que aconteceu como algo terminado e me permite seguir em frente.

Melancolia, sons estranhos e experimentação

A projeção de Lucy Liyou em um som minimalista e melancólico na música ambiente não parece ser um movimento descontextualizado. André3000 foi indicado ao Grammy 2025 na categoria de Álbum do Ano por New Blue Sun. Ethel Cain surpreendeu seus fãs ao lançar o sombrio Perverts. A sensação é de que cada vez mais artistas têm se interessado em explorar o gênero.

“Eu acho que a pandemia tem muito a ver com o motivo pelo qual a música ambiente ficou…Talvez essa não seja a palavra certa, mas grande de novo naquela época”, opina Lucy. “E acho que estamos vendo isso continuar e se estender, mas não sabemos quanto tempo isso vai durar. A música ambiente teve ondas, para mim. Houve ondas como na década de 2010, houve ondas nos anos 2000, na década de 1990. Então, acho que estou vendo isso como uma onda também.”

“As pessoas acham que é fácil fazer música experimental e que também tenha um tipo de estrutura pop. Acho que elas pensam que você pode simplesmente escrever uma música pop e adicionar sons estranhos a ela. Mas é muito mais complicado. Experimentar com música pop também significa experimentar com a forma da música pop, não apenas com os sons que você adiciona a ela.”

Em comparação com trabalhos antigos, Lucy utilizou mais a voz em Every Video Without Your Face, Every Sound Without Your Name. Ela explica que adquiriu mais confiança para explorá-la, apesar de ainda odiar gravar os vocais para as músicas. “Normalmente, quando eu improviso letras e melodias, eu uso o Auto-Tune, porque ele me permite não ter medo de onde minha voz está indo e onde o tom está chegando. Simplesmente ele permite que aconteça.”

Na faixa “Arrested”, o plug-in chegou a ser mantido na versão final. “Eu pensei: ‘Vou regravar isso sem o Auto-Tune, porque eu não uso o Auto-Tune nos meus vocais [finalizados]’. Não sei, eu senti que captou algo muito específico e captou a intensidade das emoções, com a imediatez de simplesmente fazer na hora.”

A transcendência de Lucy Liyou

Dentre tantos momentos emotivos na composição do último álbum, “Arrested” concentra um dos mais inebriantes: “Porque eu não sou forte o suficiente para te dizer que eu quero / tanto ser alguém que eu não sou / Eu quero te beijar e costurar um corpo que te traga o prazer que você valoriza”. De pessoa trans para pessoa trans, não pude permitir que ela se safasse dessa.

Tobia: Quando eu te digo que eu entrei numa espiral quando eu ouvi isso…

Lucy: [risadas] Desculpa!

Tobia: [risadas] Tipo assim, antes de tudo, que feio! Por que você expôs a gente dessa forma?

Lucy: [risadas] Me desculpa…

O verso vulnerável expõe um sentimento compartilhado por muitas pessoas trans durante seus períodos de transição. Lucy, no entanto, afirma que adota uma abordagem mais individual para tratar disso em suas composições. “Eu não faço música pensando em uma experiência trans universal, porque acho que é muito difícil de captar e eu não sei exatamente o que significa captar isso”, disse.

“Mesmo assim, significa muito quando minhas irmãs me dizem como se sentem sobre o trabalho que estou fazendo, porque isso não só confirma o tipo de escolhas que faço, mas também me faz entender que não estou sozinha nesses pensamentos”, disse ao agradecer pela perspectiva, confessando que não pensava nessas letras há algum tempo.

Não sei você… Eu me paro quando eu me pego pensando dessa forma… Mas às vezes a vontade de ser outra pessoa também é, para mim, a vontade de ser desejável para uma pessoa que eu realmente amo. E como há uma dissonância nisso também. Você me ama agora? Você me ama em cada passo da minha transição? Ou você está esperando um momento para dizer ‘sim’ completamente? Ou está esperando um momento para dizer ‘não’? Não dá para saber.


Lucy Liyou foi um dos nomes convidados para participar do álbum de compilação Transa (estilizado como TRAИƧA). Lançado pela Red Hot Organization em 22 de novembro de 2024, o projeto contou com a contribuição de mais de 100 artistas que celebraram o belo, o feio e o divino esplendor da transgeneridade. Entre eles, Sam Smith, Kelela, Perfume Genius, Moses Sumney e Sade, que dedicou a música “Young Lion” para seu filho, Izaak Adu.

“Foi bem simples e orgânico, o que foi muito legal”, disse. Ela conta que foi surpreendida pela dimensão que o trabalho tomou ao longo do tempo. “Um dos meus empresários, Evan, citou que algumas pessoas que são minhas amigas estariam na coletânea. Então eu pensei: ‘Ok, tô dentro, tô animada’. Mas eu não sabia que seria com, tipo, a Sade, sabe? Eu literalmente pensei que seria só eu e meus amigos. E com, tipo, alguns artistas que admiramos e com quem gostaríamos de trabalhar, sabe?”

Videoclipes e o que toca no fone de Lucy Liyou

Após lançar um vídeo para “Arrested”, Lucy afirma que tem tido mais interesse em trabalhar com o aspecto visual de seu trabalho através de filmagens mais conceituais. No entanto, ela se mantém relutante quanto a videoclipes super produzidos: “Eu não tenho dinheiro para isso. E às vezes esses visuais podem parecer muito frios para mim, eles não me dão a emoção ou o sentimento necessário”.

Acho que Beyoncé é um exemplo perfeito de alguém que realmente aperfeiçoou uma certa ideia do que um videoclipe pode ser, né? E o mesmo acontece com Björk, Kate Bush, pessoas que trabalham com simbolismo e visuais incríveis que transmitem tantos pensamentos e sentimentos junto com a música. Acho que [FKA] Twigs é outro ótimo exemplo, Arca, Frank Ocean…. Tantas pessoas que fizeram um trabalho muito bom em torno disso.


Quando questionada sobre o que tem ouvido nos últimos tempos, ela prontamente sacou seu celular para investigar o que tinha na sua biblioteca de músicas. “Ai, não, tem tanta coisa vergonhosa”, disse rindo. Era o que queríamos.

“Come and Get This Hunni”, de NeNe Leakes

“Ok, eu adoro ouvir, tipo, entre aspas, “música ruim”. Sou muito fã de Real Housewives e essa música é tão engraçada, mas também tão boa.”

Antigone, de Eiko Ishibashi

“Estou amando o novo disco da Eiko Ishibashi, tenho ouvido bastante.”

All I Have, de Amerie

“Você conhece a artista Amerie? Tenho ouvido bastante o primeiro álbum dela de novo, o que tem sido ótimo.

Pictures Of The Warm South, de Vanessa Rossetto

"Não tenho ouvido muito o novo álbum dela porque é muito emotivo e me parte o coração [risadas]. Mas é o meu álbum favorito lançado este ano.”

DeBÍ TiRAR MáS FOToS, de Bad Bunny

“Ah, eu também adorei o novo disco do Bad Bunny. Tipo, são umas coisas aleatórias aqui e ali. Eu ouço um monte de coisas diferentes.”

“Gimme Some Pizza”, de Nathy Peluso

“Meu deus, tem uma artista que eu ouvi recentemente que algumas músicas dela me fazem rir também. Mas eu sinto que não deveria ser engraçado, e aí eu rio, e aí eu me sinto mal. Você conhece a Nathy Peluso? Ela tem uma música. Meu deus, como se chama? “Gimme Some Pizza”. Eu adoro essa música. Não sei se deveria ser engraçada. Eu peço desculpas se [as letras] tiverem um significado mais profundo. Mas eu amo essa música. Acho tão brilhante.”

K-pop “antigo” e contemporâneo

“Eu escuto k-pop mais antigo. Digo antigo, mas nem é tão antigo assim. O K-pop dos anos 2000 era, tipo, meu favorito. Ou do final dos anos 2000. Tipo, Brown Eyed Girls… 2NE1, claro… Big Bang, Wonder Girls… Foi, tipo, a minha infância. Eu não escuto muito k-pop contemporâneo, mas eu gosto de, tipo… Acho que NewJeans meio que não existe mais, mas eu gosto de NewJeans. E eu amo… pelo menos eu amava, eu não ouvi muito das coisas novas delas… Red Velvet. Eu gosto bastante.”

Amizades na música

“Eu também ouço muitos dos meus amigos. Então Sunik Kim, Andrew Weathers, G.Brenner… Minha amiga Kaho Matsui, que eu amo. Eu ouço muitos dos meus amigos porque também tiro muita inspiração deles.”

Um álbum 5/5 (ou dois)

Teatro Assente, de Taku Unami/Takahiro Kawaguchi. É tipo teatro, mas também é tipo field recordings. É tão estranho. É tão interessante. Eu daria 5/5 pra ele com certeza. Ou, Potential, de minhe amigue Sunik Kim, é um marco. Eu tenho o CD e o vinil desse álbum. Elu é incrível.”

Com sorrisos incontíveis no rosto, Lucy Liyou e eu nos despedimos. É o momento em que me permito confessar a grata surpresa pelo temperamento da artista.

Tobia: Sua música é tão melancólica, mas você é muito engraçada e divertida. Eu amo [risadas].

Lucy: Eu tenho uma personalidade muito alegre, sim [risadas].

Tobia Ferreira

Emo de banho tomado e jornalista cultural. Formada em Jornalismo pela USP e repórter do Aquele Tuim, em que faz parte das curadorias de Funk e R&B e Soul.

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